Inspirar-Poesia, um segundo sopro

Ícaro implume...

Por Sueli Maia (Mai) em 3/04/2010
Ele era um homem sem maldade ou expressão. Ele era ingênuo. Uma criança velha, carente de gente pela vida afora, sem pressa de crescer. Um sexagenário sorridente que não sabia mentir, mas tinha vergonha de tudo. Desprovido de beleza, padecia o escárnio dos homens bonitos e viris. Entre velhos viveu uma infância muda e distante de afeto. Cresceu solitário como uma ilha perdida num imenso oceano. Os sulcos em sua pele revelavam os anos idos e mal vividos. Seus cabelos pareciam a crina de um corcel e sua face avermerlhada compunha a estranha feição que o destacava por onde passava. Jair chamava a atenção porque para além, vestia-se como se todo dia fosse carnaval. Sorriso largo e nu mostrava a face ingênua de uma criança. Alheio à tudo, não destinguia calor ou frio em cada estação. Adoecido Jair relatara suas memórias. Disse que houve um tempo em que pensava ser um animal. E após um dia inteiro pensando e olhando os bichos, sentiu a estranha vontade de morder troncos em um bananal. Como se fora um cão, tão logo o dia e a criação deitaram-se com a noite, soltou seu instinto animal e raivoso, mordeu todos os caules ao redor. Sua boca ardia e doía mas a fúria incontida, libertara de Jair, o cão. Depois quis ser pássaro bater asas e voar. Subiu a colina rente à cerca de cipreste e margeando a divisa,subiu até o topo. Bem lá do alto onde avistava miúda, a casa de taipa, mirou o pouso, bateu os braços como asas e trissando qual pássaro, decolou. Quedo, em instantes colidiu ao chão. Com a pele rasgada e as asas quebradas, Jair não foi cão ou pássaro. Jair não foi homem pois não conheceu mulher. Jair era ingênuo. Um Ícaro implume. Jair era humano e sorria, sempre.
.

Imagem Google

22 comentários:

Café da Madrugada® Lipp & Van. disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 21:56

O que o excesso de inocência faz de nós... ou a falta de malícia. Né?

lula eurico disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 22:22

Áptero

Quebradas, as asas que não temos, dóem muito mais, quando não vemos
onde é que dói a dor, ou não sabemos...
E que dizer do homem, ser terreno,
bicho da terra, errante, o mais pequeno,
a querer avoar, bicho sem asas,
e afinal, rastejar na terra rasa?

(um improviso pra Mai)
Eurico
15/fev/2009

Cecília disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 22:34

Intenso...
O que faz a falta de malícia, hien?

Tenha uma ótima semana!
Beijosssss

Paula Barros disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 23:17

Mai

Sinto seus textos crescendo a cada dia em qualidade, na estética.

Texto e imagem se completam.

abraços, boa semana.

Luciene de Morais disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 23:34

É isso que faz a ingenuidade?

Jacinta Dantas disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 00:01

Bonito, May. Triste e muito bonito. Um jeito de tocar fundo na fragilidade do que é Ser gente e manter-se em equilíbrio no tênue fio que separa razão e alienação. Bonito falar de Jair.
Triste experimentar o Ser Jair no transbordamento de emoções e sensibilidade.
Estou sempre por aqui, mesmo em silêncio, sinta minha admiração.
Beijos

JOCENDIR CAMARGO disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 02:45

Por vezes somos assim, sem maldadade, sem juizo, sem medos, voltamos a ser crianças apenas e, nesses momentos, corremos nossos maiores riscos, nos tornamos também "frágil alvo" à mentes maldosas... assim é a vida ... a de Jair, a nossa...

Meu beijo com um carinho imenso por tí...

poetaeusou . . . disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 10:35

*
implume narrativa,
adorei . . .
obrigado
por este favo de mel,
,
conchinhas de luz,
,
envio-te,
,
*

Cadinho RoCo disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 12:13

Existem seres inspirados e que inspiram nossa atenção a momentos desvairados que buscam sabores em caules de bananeiras e asas em vôos incontidos. Existem seres, que por força da pureza, nos purificam.
Cadinho RoCo

Márcio Almeida Júnior disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 12:28

Conciso, direto, profundo: parabéns, Mai. Você vem se superando a cada dia. Virou leitura obrigatória.

Cris Animal disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 12:47

Desistir do puro, do primitivo, da essência em si... aprender a dosar a esperteza, a malícia ?

Equilíbrio pode salvar. Excesso idem.

Lindo texto!
beijo
............Cris Animal

Anônimo disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 13:46

Em meio ao Faust fica lindo.

As linhs que escolho, mesmo dos outros, tem feito muito sentido =)
Obrigada pelo comentário!

Lipe M.T disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 17:20

Tô precisando de maldade...
E quem sabe um pouco de matematica...
Anular um pouco a gramatica..
Viver sem semantica..
Sem tematica...
Rubricar mais vezes...
Esquecer de postar a assinatura...
Jure, ou juro que jura...
Que cá nesta rua escura...
Que pra muitos pode ser...

Vim comentar e olha o que saiu...virou post...

Muito obrigado...

rs


Abraços !
A rua da amargura...
Farei de todo jeito...
Você sentir o presente perfeito.

Lipe M.T disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 17:21

Deu pane no sistema e saiu tudo embaralhado...

Quintal de Om disse... @ 16 de fevereiro de 2009 às 17:35

mais uma vez, minha flor... que chego aqui e me emociono com tuas magnificas palavras que se diluem em meu coração como pingos de chuva molhando os meus pés e me fazendo sentir quanta beleza há nessa vida, mesmo em cada palavras, em cada linha, frases, textos.... ainda mais quando nascem de mãos e coração tão divinos quanto o seu!

Abraços, flores e estrelas...

Anônimo disse... @ 4 de março de 2010 às 16:40

Ícaro implume...

Acho que compreendi bem o Jair.

Linda história, querida!

Unknown disse... @ 5 de março de 2010 às 09:06

Gostaria de conhecer o mundo imaginário de Jair!

Não entendo porque me atraem esses seres diferentes.

Maravilhoso!

Beijos

Mirse

Ilaine disse... @ 6 de março de 2010 às 10:42

Mai amiga! Cada texto seu é uma surpresa. Nossa, este então... Que escrita mais perfeita. A descrição de Jair é formidável. É um romance, uma parte dele, onde o personagem é um ser humano, de certa forma marginalizado, e que vive a sua solidão e seu ímpetos na estranheza de seus dias... e de sua figura.

Maravilhoso, querida escritora!
Beijo e muito carinho

Unknown disse... @ 6 de março de 2010 às 15:32

Jair era um sonho que insistia em existir. Beijo.

Luciana Marinho disse... @ 8 de março de 2010 às 01:33
Este comentário foi removido pelo autor.
Luciana Marinho disse... @ 8 de março de 2010 às 01:35

como a simplicidade surpreende. deixo manoel de barros: "as coisas rasteiras me celestam... o abandono me protege".

abraço!

Johnny disse... @ 9 de março de 2010 às 14:23

mesmo com a dor da queda, "o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu" (Paralamas do Sucesso).

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