Inspirar-Poesia, um segundo sopro

a mantilha das frutas

Por Sueli Maia (Mai) em 9/28/2009

Benditas sejam todas as frutas. Cheirosas, gostosas, maduras ou de vez. E olha a fruta! Gritava sorridente a pregoeira a pregoar. Pois ainda haverá dia de aceitar que existe também um espaço sagrado às frutas de todo lugar. Frutas do mundo inteiro. Deliciosas as frutas e os frutos benditos de todas as castanheiras. Rua das castanholas sem número. Ali era um lugar ou apenas uma rua onde eu tinha meu banco de feira. Feira tão cheia de gente que mais parecia uma cidade a fervilhar, uma rua de gente a ferver. Falar do que é bom e bonito e olha que fruta bonita! Dulcíssima, quer provar? Porque quando por fim se compreende o prazer de provar uma fruta, longe é perto prá de novo se querer provar outros tantos frutos e frutas há que se provar e bons frutos há, oh se há! Olha a fruta bendita e bendito é esse meu tabuleiro de vender porque aqui é o espaço sagrado das frutas, rua das frutas e há frutas em todas as ruas, em todo lugar. E há frutas em janelas a esperar e em muitas cidades há casas de porta e janela. Janelas sonoras, rua das castanholas e sob elas crianças a brincar, castanholas de jogar e bater nas janelas coloridas a bater e depois abrir. Longe ou perto dali há frutas cobertas com véu e mantilhas. Missal de pregoeira a pregoar a beleza das frutas porque em tudo há beleza. E benditas sejam todas as frutas e frutos que daquela e de outras ruas cheirosas, são benditos e bonitos de se ver.
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música: Marisa Monte - Give me life
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cio de águas

Por Sueli Maia (Mai) em 9/23/2009
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Cio de águas e em ar respirável há luz e novas manhãs. E uma nova luz amanheceu eternidade, na eternidade que se dá em cada dia ou em apenas um segundo quando se vive este segundo, como se fora uma vida inteira. Manhãs respiráveis com nascentes preservadas e nós estamos e somos, água e ar, todo ar que se possa respirar ou água a escorrer e livremente escoar. E se por vezes fomos noites nas águas caídas das chuvas, um novo dia amanheceu. Então renascidos em nascentes, sussurramos manhãs com desejos eternos de água e ar, prá beber, respirar e, mansinho, prá sempre ficarmos imersos em vida. Eu, tu, nós em teu rio, em minhas águas e na luz das manhãs, tua e minha. Banho-me em ti e em mim tu te banhas por segundos sem fim. Porque eu sou boca de mar engolindo teu rio e devolvendo tuas águas em minhas águas, encontro das águas. Noites - mortos eternos - dormimos e mortas, as noites renascem nos dias seguintes, disfarçadas em bocas d’água ou mil olhos d’água que saciam as sedes, ebulindo suas águas nas bocas. E uma boca noutra boca disfarça as fomes e assim nos rompemos na areia e em segundos eclodimos - serenas manhãs - em luz de um agora que é sempre, pois – serenos - seremos nascentes perenes de infindos segundos.
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ouvinte de alto falante

Por Sueli Maia (Mai) em 9/16/2009
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Ouvintes em frequência qualquer e de alguma maneira eu ouço o soluço daquele menino, ainda com medo de dizer que tem medo. Muito cedo há sons de baixa sonoridade ou em alto e bom som os alto falantes amplificam os sons das cidades, nas novelas diárias, em toda cidade. E quando há gritos muito cedo, o sono é agoniado então, é melhor acordar. Quando é manhãzinha, latidos atravessam o universo e em todo lugar há latidos, rasgando o silêncio das noites. E com o sono bebendo manhãs mal dormidas, há Homens, bebendo manhãs, mal dormidas manhãs. Eu ouço tudo e sempre levanto bem cedo e desperto com força a fraqueza de cedo acordar, desde cedo, bem cedinho acordar. E quando ainda é cedo prá acordar, é preciso ter força prá não mais dormir, levantar acordada e seguir pro trabalho, ainda bem cedo. Quando o trabalho chega cedo, cedo, despertam - crianças desacordadas e feito homens com medo, não dormem, não querem dormir o seu medo. O medo acua, cala, recua, afugenta ou faz gritar, qualquer voz como em alto falantes. Eu ouço gritos de acordar, que é prá não perder a hora e acordar. E quando se acorda aos gritos, o coração acelera, o medo vem cedo, aumenta e volta com gritos, no silêncio, no meio da noite, no medo da noite. Mas sempre ouço, o grito de silêncio dos homens amanhecidos no cedo do sono. Me arde os olhos e deixa na boca o gosto de não mais dormir, saber que amarga o beber prá dormir, sem ouvidos de ouvir os gritos nos alto falantes que cedo acordam, o sono de meninos e meninas, quando ainda é cedo.
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Música: Across the universe

malemolente

Por Sueli Maia (Mai) em 9/15/2009
Palcos. E os espaços públicos estão repletos de gente apressada, casais estressados que junto com as pedras, chutam, seus amores e paixões. Mas sempre apressados, sob lentes escuras, disfarçam olhos vermelhos e amores havidos em idas sem volta. Lembro que em um carnaval vi desfilar, no enredo de uma escola, uma dessas tragédias na apoteose. Mas nunca estive tão próxima de algo semelhante. Dramático e ao mesmo tempo interessante, assisti de camarote uma cena incomum pelo fim do final, em tragicomédia. Ela era alta, bonita com a malemolência comum das mulatas cariocas. E chegou, porque sabia chegar, numa minúscula saia jeans e um top que só cobria o necessário. Ele, igualmente bonito e alto, parecia estar aflito mas não disfarçava um sorriso moleque. Entre o seu argumento e a escuta do que ela dizia sem qualquer segredo ou disfarce, ele parecia se divertir com um jeito displicente. Ela sacudia os ombros e girava um chaveiro que mantinha na mão. Inevitável foi ouvir aquele adeus provocativo. Em tom ameaçador ela dizia você vai babar e eu vou dizer que não. Alem do chaveiro e dos ombros, ela balançava as ancas, gingava e fazia babar não só ele, mas os homens que ao redor não disfarçavam. Uma imensa platéia no aeroporto. Por fim ela gingou e girou e, com uma lenta malemolência, se foi, desfilando sobre o salto, o seu rebolado. Ele, com um sorriso nada trágico, limpou, porque babava e correu. Não pude ouvir o final, mas antes do embarque ainda vi, o beijo apocalíptico do casal malemolente.
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Música:
Maria Gadu - baba
Céu - Malemolência

eros resoluto

Por Sueli Maia (Mai) em 9/14/2009
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Esse texto é apenas um tratado ou uma nova tentativa de dizer. É, eu amo tudo que faço. O problema – me dizem – é a forma. Sei que existem mais belas, mas não aprendí a elipse ou talvez eu ainda não saiba fazer diferente, quando digo o que se sinto. Então eu direi, sinto muito, porque sinto tudo ao redor. Sinto a beleza da seca e da chuva, na beleza do que é húmido e inóspito. E também sei dos estragos quando são demasiados. Sei que em alguns territórios muita coisa está ruindo. E sei que para unir, construir, rejuntar, há que ter paciência de esperar, fazer devagar, com cuidado. Sei que há que se ter uma espécie de indulgência. Porque quando se quer sentir outra vez, o que se sente no que se ressente são histórias e geografias misturadas nos mundos e peles que se apressam em atos de guerra. Mas arte não combina com pressa e por isto há tempos eu tento escrever uma genealogia da paz, minha paz, tua paz, nossa paz. Benditas sejam as palavras bem ditas. E benditos - o olhar que não denigre, o verbo que não humilha, a mão que não agride. Bendito esse Eros resoluto que toca, ouve, olha e diz, com palavras bem ditas, as benditas palavras que tocam um lugar que nem sei, e porque sinto, sei, existe um lugar. É complexo viver em paz e é simples perceber que o presente é o tempo correto de amar, em tempo bastante para amar e fazer diferente. E diferente é – diferente - a sí amar e amar o diferente a sí, e na diferença sentir a igualdade e amar qualquer um, diferente e igual. Saber-se incompleto e no tudo que se é, saber que cada um só pode fazer a parte que, no todo, é a parte de cada um. Entre o verbo - amar - e o tempo, todo resto é lapso - tempo vão - no tempo de amar. Unicamente amar. Agora é hora de em silêncio ouvir. Por que os joelhos doem e as chuvas caem em todo território. Um Eros resoluto e tolerante, talvez demarcasse nesses mundos, novos territórios de paz.

o ressentimento das pipas

Por Sueli Maia (Mai) em 9/09/2009
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Me encanta ver, o mover da liberdade nas pipas, colorindo o ar. Gosto de sentir a leveza e por vezes em silêncio, reproduzo movimentos de delicadas bailarinas. Mais que ser leve, aprecio a alegria de viver em paz. Liberdade é sentir o cheiro da seda dançando ao vento e deixando o perfume de limpo no ar. Liberdade é sentir que o tempo de se querer bem pode durar, o mais que ele possa durar. Basta sentir devagar, sorver cada passo, sentir cada dança, cada gesto e, lentamente sentir,re-sentir e, outra vez bemquerer. Gestos como bons perfumes permanecem no ar e depois que se vai, eles ficam no ar. Há algo - sagrado - que não se vê, enquanto as pipas se movem e permanecem no ar. Entre a posse e a perda, o que se assiste é um espetáculo de leveza e liberdade que oscila entre bemquerer e malquerer, sentir e ressentir, subir e descer, ganhar e perder as tantas e outras pipas que permanecerão, ainda no ar. Bonito é ver, com seriedade, a alegre brincadeira das pipas em silêncio, rasgando o céu com a leveza da seda, suspensa na linha. Existe, um espaço sagrado em tudo que move e não se vê. Existe. E sempre que pipas subirem e dançarem no ar, existirá o re-sentir de se ganhar e se perder. Me encanta ver, o mover da liberdade colorindo o ar.
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Música: One love
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a economia dos bumerangues

Por Sueli Maia (Mai) em 9/07/2009
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Em tudo o que vejo, eu também admiro a economia das coisas exatas. Admiro o retorno do eco e dos bumerangues, quando são exatos. Há coisas tão redundantes e óbvias, que não precisava dizer, porque o silêncio é econômico. E para ser mais exata, a verdade, também é econômica e ainda há uma infinidade de coisas e maneiras de ser econômico. Na exatidão da vida, os dias são iguais e são tão diferentes do sempre... Olho com um olhar diferente e, na hora exata em que despe seu azul - o céu - do laranja ao vermelho, se veste para a noite e, óbvio, vai daqui romper lá, noutro ar, sua luz e raiar mais um dia e tão obviamente... Óbvio, é o tempo a passar e não somos os mesmos, ou somos e não somos óbvios? E se somos iguais e exatos, também somos econômicos, como o retorno dos ecos e dos bumerangues, quando são exatos.
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solar de lamparina solar

Por Sueli Maia (Mai) em 9/05/2009
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Novo dia acordando indolente e as horas no horário solar marcavam o tempo correto das coisas da vida, no tempo solar. E quando chega esse tempo, chega na hora em que a luz de um sol, é pura energia. Estava tecendo fibras e misturando contas coloridas, fazendo alquimia com o tempo. E no tempo, a luz como a calma da luz, se fizeram chegar. Foi um clarão penetrando a escuridão. A densidade se rompeu com o lume e iluminou toda ilha e a floresta da ilha, também. Fiat lux! E tudo aquilo que era sombra se fez luz, e não era mais preciso temer. Noutro lado da ilha, os raios de sol projetaram a lâmina d’água e uma cortina multicor revelou um halo suspenso no ar. Não sabia precisar quanto tempo estivera com medo da sombra e da ilha, na floresta da ilha. Sabia que o tempo era havido e bastante. E sem pressa, ela enfim percebeu o seu tempo. O tempo das coisas do tempo, e o tempo havia em mistério, perigo e beleza. E na ilha e nas sombras da ilha era o tempo de agora. Mas agora era o tempo da calma e da luz.
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Música: Ain't no sunshine when she's gone - vários intérpretes
 

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