Inspirar-Poesia, um segundo sopro

mulas urbanas...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/28/2009
Sapatos sob encomenda, estavam os dois empacados na rua feito apóstolos renegados e perdidos. Um homem e uma mula, bêbados teimando em ficar. Ele etilicamente aguado ela, passivamente atingida por algum fenômeno de evaporação dos gazes, recusava-se a seguir. (A mula estava certa! Afinal o teste do bafômetro flagrou alguns desavisados no recente carnaval). Cena cômica de um filme. Um monólogo inteligível, fuso, difuso e confuso na desordem de um só ser que ordenava, perguntava e ele mesmo respondia, chorando diante da recusa displicente da companheira. Havia uma graça distante e distinta da degradação do Ser em cena. Era o humor inevitável das sóbrias verdades do discurso etílico de um homem indignado. E não se controla o riso diante do óbvio escracho governamental dos nossos dias. E era este o motivo alegado para a teimosia. A mula era contra o PT, dizia o homem (eu não gosto de discutir política mas uma louca me habita e tem vontade própria e quando se irrita fala de política, sim). Interessada nas cenas cotidianas eu apenas observava quando, de repente, a mula levantou e resolveu seguir. Estranhamente o homem olhou e disse: - Espera! Agora você vai me ouvir. Você tem essa mania de me deixar falando sozinho, publicamente. Você pensa que é assim? Levantar e ir embora? - Não me contive quando percebi que o homem, invertendo os papeis, sentou-se no asfalto e continuou a falar com a mula. E agora era a mula quem sorria...
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Música: João Bosco - Linha de Passe

equilibrista...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/26/2009

....................Deslizava e escorregava no fio do azeite. Seus pés sobre o arame ameaçavam cair.


Artifício impermeável de papel, descrevia seu medo, equilibrando em linhas, sapatos no chão. Transigia no tudo o tanto diverso, escrevendo nos versos seus dias e os olhos de chuva. Transitiva a incansável palavra, passageira transitava no efêmero fio de uma aranha. Seguia convicta. Sombrinha na mão e os olhos vidrados na luz lá do fundo do túnel. Focada e silente equilibrava na vara, seus pés e as vidas, senhora da meta a alcançar. Mesclava paixão e vontade. Esperança equilibra sua vida porque todo artista, com medo ou sem ele, continua seu show.

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Música: Lenine - Miedo

hoje tem espetáculo...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/26/2009
.........................Pipoca descumprindo seu destino. Ela pulava descobrindo aquele circo. Vestida de nuvem comendo algodão, seu olhar era doce e ávido, explorando tudo ao redor. Às cegas e bem torta, era puxada e arrastada por mãos fortes, bem maiores que as dela, porque todo tempo olhava para trás e não podia parar para ver melhor. E o que fazer? Tanta coisa e gente prá ver... Ao lado e ao teto um mundo de cores, de cheiros e sons. Na magia dos corpos, a vida de artista. Onde sentar e o que pensar? E nem sabia qual seria o seu lugar e o seu papel naquele mundo... Mas era casa assim, que ela queria. Uma casa no mundo e o mundo inteiro a desbravar. Trapézios, parados no ar. O globo da morte. Esfera de aço pairando suspensa no alto. O mundo nas nuvens... Agora os bichos. Não era na África aquele circo. O elefante estava cansdo e o domador zangava com o tigre. Era malvado o domador. E recostou-se na cadeira e na falta de graça, daquele número chato. Pernas pequenas, um vestido de organza, cabelos com laço e fita e o sorriso revelando a palhaçada que chegava...

Sapatos gigantes, nariz engraçado, cabelo amarelo, uma boca que ria sozinha e a sua, também. Sem pressa comia algodão bem doce. Depois a pipoca e agora quer drops. Malabarista, contorcionista, equilibrista, trapezista e tem que ter mágico, também. Cheiro de terra e lama, lá vem o elefante. Mas ela só via e ouvia do palhaço, o riso. Seu gesto era só o olhar... Não mais a criança, agora era o circo, a vida e a artista.

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Música: Kumbalawé - Cirque Du Soleil

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nota - falecimento

Por Sueli Maia (Mai) em 2/25/2009

Clave de Fá

Fall and sea meant
Falecimento
Fa
Le ciment

Fale_cimento

Fale: cimento
Falo.

C I M E N T O

Le ciment

Fall and see man to...
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estórias prá adormecer criança...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/23/2009
..................................Medo é um susto de criança que pula, se espanta e se agarra dentro da cabeça. E se a criança tiver medo de crescer e ficar velha, o medo é prá sempre. Um punhado de medo e pele enrugada, estampava o rosto daquela mulher. Perdida na chuva por dentro e por fora, ela gritava silenciosamente e pedia ajuda. Estava assustada e faminta. Molhada de chuva e de pranto. Trêmula de frio e pavor. Tinha vontade de falar, se trocar, se aquecer, comer, chorar, dormir...Estava esgotada após um dia inteiro andando em círculos. Perdida na selva distante e estranha, achara naquela porta aberta, um abrigo prá criança adormecer. Finalmente a coragem venceu o temor e a timidez. E ela encontrou um abrigo naquela noite. Seu nome era mais e era grisalha. Saíra de casa em meio à saudade de um velho marido que trabalhava numa construção qualquer. O medo de ficar sozinha e de novo sentir medo, transformou dona Santa-criança numa andarilha solitária e medrosa, prá sempre.

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Fotografia: Mai

farol

Por Sueli Maia (Mai) em 2/23/2009
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vento da tarde sauda _de
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bem longe daqui
Chove em meus olhos
há dias eu guardo nas mãos
tua alma pausada na
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farol
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miragem
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Fotografia e cores: Mai
Música Kirk Whalum

auto-falante - fuga...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/22/2009
Achava de ficar quando não ia ao vento. Andava assustado se ia e sem ficar mais que um minuto. Ficava com medo de sair e o acaso lhe pegar. E preferia não ser morto pelo mundo a lhe esbarrar. Era um tormento o burburinho da cidade. Uma agonia e as ruas gritavam muito alto aos seus ouvidos. Ficar era não ter que atravessar os soslaios com os oblíquos perseguindo. Na lógica a certeza absoluta de fantasmas a espreitar. Do que pensa a suspeição é certa na certeza de verdade ser. Andar cabisbaixo evita escândalo. Erguer a cabeça é dar que o pensem desejando em seu pensar. E tem a culpa e fala alto e denuncia. Tudo conspira e trama um drama contra si. São aliados e nessa hora está sozinho. E é todo mundo. O velho o moço e a criança são secretos de um clã. E não há calma em sua pressa. Tudo congela se pausar. É no descuido que o acaso se formula e é preciso vigiar. No silêncio do vento batendo no tempo, tudo faz som em seus ouvidos. Está nas ruas e esse é o seu mundo, ‘auto-falante’ que o persegue e ele foge e há pânico em sua pressa de voltar.
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Imagem: Collage Ju Gioli
Música: Pillippe Saisse Acoustique - Poem for 151
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pássaro negro...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/21/2009

Lábia, palavra e o assombro nas lápides das vilas populares. Labiar vidas e esgarçar peles eis o sombrio dos homens. Pássaros negros espreitam lares e covas abertas em valas. Labirinto de gente e fome. Sentença de morte do lábil que labuta e sangra. Mãos calejadas em cárcere e o ouro é dos abutres. Pássaros negros sobrevoam as lápides e pousam na indiferença das pedras. Lábios selam beijos e espalham medo e dor. Vai e voa prá longe! Some e te espanta!

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Música : Black Bird - Alter Bridge

trânsitos urbanos...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/20/2009
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Entraram mas não estavam juntos. Alguma afinidade havia entre eles, apesar de estarem sós, ali. Ao toilet ela seguiu enquanto ele acomodou-se em uma mesa ao canto. Notívagos transitam em bares, sem cansaço. Repousam ao dia a insone e etílica, noite habitual. Ela retorna no retoque do batom e os cabelos, alternando os lados, denunciam um código feminino e um desejo de acasalamento e sedução. Estranho pensar que em meio a casais enamorados, singles permaneçam tanto tempo, em solidão. Do canto ele percorre e escolhe, a sua rota de prazer daquela noite. Pernas resolutas cruzam investindo todo charme em olhar, delineado a um outro. Aquele primeiro há horas espreita a circunspecta mulher, num copo, estagnada. Desejos se cruzam confirmando que ofertas não se bastam, sem desejo e desejado anuindo ao amor. Que pensa sobre homens, a fêmea decidida? Que pensa sobre a fêmea, o homem ao canto? E o empresário solitário em litro, sustem seu olhar na mulher, ali e ausente. Que pensa ele sobre ela e o seu desejo? E ela, o que terá que decidir no copo e no amanhã? A noite abriga vidas e vidas, tem histórias.Quantas vidas e histórias há nas noites?
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música: Diana Krall - The Look of love
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analogias cotidianas - pastéis e abóboras...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/17/2009



Dorme-se pouco, come-se menos e a cabeça dá sinais de fumaça em dias de muita tensão. Amigos são fundamentais, aguentam o tranco e dão o ombro sem cansar. Quem não tem amigo está frito e mau pago e fritos também são os pastéis. Uma boa digestão requer cuidado e antiácido sempre é útil quando se é obrigado a engolir um fast food ou um pastel (sem antiácido, você será o próprio food...) Carnaval batendo à porta e você, batendo os pinos e os parafusos, vê uma fantasia de homem bomba e não compra. Se livra da bomba e comemora o seu próprio carnaval sem pastéis. Abóboras e pastéis sempre serão o que são. Simplesmente pastéis e abóboras. Esta é uma filosofia complexa mas, quem quase panicou esta semana por estresse sabe bem o que é isso. Pastéis odeiam o fígado alheio (é uma questão pessoal do próprio pastel). Você não tem nada com a história do pastel mas ele quer te ferrar. E pastéis são gordurosos e podem ser recheados de vento. E ai é que está o problema. Pastéis de vento deixam você aerado e aerofágico. Pastéis são anti-sociais porque quem o prova elimina todo recheio (o vento) publicamente. E ainda sobra prá quem estiver ao seu lado. Fatalmente alguém olhará para você com cara (também) de pastel assim que sentir o poderosíssimo gás do outro pastel. Abóboras são diferentes, são laxantes. Há abóboras e abobrinhas. Eu peço desculpas a todos mas, hoje, eu juro, precisava falar abobrinhas... Vou entrar na banheira e só saio bem tarde da noite. Em dia das bruxas, abóboras sorriem.


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ritual

Por Sueli Maia (Mai) em 2/16/2009

Dias com chuvas miúdas caem depressa. Deitam na terra e somem de volta prá quando e prá onde, não sei. Vento quebrando nos olhos em velocidade é lágrima que rola na face prá ninguém ver chorar. Carro crispando na areia da praia com água espraiando é noite, é corpo, é desejo de ir só. Banho de lua no mar com a chuva em meus olhos, é você. Eu ouvia a chuva cantando essa música chamando de volta a alegria. E girava de braços abertos com a roupa colada no corpo. Eu gritei e pari-me de novo num expurgo. Eu chorei minha chuva e falei o teu nome, pela ultima vez. E lembrei que a noite caia em meus braços e ainda doía sentir tua pele na minha. Mergulhei e banhei-me em rito, agora, silente.
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fora de mim...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/16/2009
Meu desgoverno e eu perplexa queria ficar, a outra querendo ir. Uma desordem em si era eu fora de mim. Tentando esquecer bebi em vinho tua memória irrespirada. Inalei o adentro do humano e achei a louca e a santa habitando lá dentro. Da janela e entre a fresta olhei as duas que nuas estavam eu, a sós. À distância espreitava o ser ambíguo. Inteiro e na falta, o teu cheiro, nem sequer sentira. Distinguia sabores, encantos, paixões e guardava o gozo e o gosto, na lingua. Dormir fêmea porque a fome e a sede não basta num dia. Mas é breve e dispersa mansinha até um novo sol chegar. Fora de mim dava prá ver que era eu, era sim.
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delírio...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/14/2009
Há dias ele ri de si para si. Forte e alto, sua pele desidrata por ausência de sol e vida. A voz é grave numa fala em frases longas com palavras desconexas e inventadas. O riso em um sorriso ausente é inevitável e triste na falta de graça que é a exclusão social. Vitor delira enquanto o corpo movimenta-se compulsivo numa rede. Seus pés alavancam na parede suja, um vôo em ida e volta. O peso de uma vida balançando, provoca um som que ensandece quem escuta. O instrumento percussivo é a corrente que suporta a rede e o corpo. A melodia é o atrito de elo e gancho num ruído recorrente. E gesticula a fala enquanto fuma um cigarro interminável. A fumaça impregna de fuligem e cheiro, o corpo, roupas e toda atmosfera. O ar exala nicotina, suor e elisão. O gestual é enérgico e largo. Olha e não fala pra mim mas pro mundo e no seu mundo, informações cotidianas e banais. O seu delírio é claro em ‘ser’ delírio. A comunicação é complexa pela desordem do pensamento e da linguagem. Vitor me olha e diz: - Essa política é errada e burra. O presidente do Haiti governa o Iraque, o Brasil é o Haiti e aqui se fala inglês, francês e mandarim em português. Ele é um Juiz federal que ri de tudo e me faz rir, também. Há um poder e uma lógica louca que subjaz na razão da loucura. Enquanto assiste um programa invisível na TV que está em off, ouve o som de Bob Marley. Continua seu discurso ‘umbilical’ dizendo que mantém tudo e todos o exploram. Em segundos o delírio de grandeza estanca. Percebo a mudança facial que a tez retrata. É instantânea a inundação de adrenalina e medo. Vitor fixa seu olhar apavorado em mim. Eu miro um ponto entre os seus olhos pra que o meu olhar não o agrida. Não há mais delirio. Agora é um grito alucinado de pavor. Vitor projeta em mim o agressor interno que são seus medos e fantasmas. A sua culpa corrosiva com dedo em riste lhe cobra e acusa. Um homem em pânico em tormento brutal . Não há ninguém além de Vitor e eu. Não há agressão externa a ele. Vitor levanta me olha e urra: - CHEGA! Sai daqui! Vou te matar! Vai embora. Eu falo calmamente e peço calma. Súbito ele desvia o olhar e grita à tudo que só ele vê na parede: - vai embora daqui! Vitor chuta, esmurra, bate com força a cabeça e fere-se em luta contra seu próprio corpo rígido em medo. E é um absurdo o que se vê. Um homem sofrendo com pavor brutal e agora, exausto, derrete-se em suor e sangue. As mãos sangram a dor que escorreu de sua testa. Minha garganta já travada também sangra, agora.
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outra vez - o tango e teu perfume...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/13/2009


Vinho rubro-carmim. Minha boca e o som de um tango ao violino. Música que inebria mais que o vinho. E nos cabelos-azeviche minhas mãos sustentavam cabeça e alma, nuas, em meus assombros-sós. Eu a esperar um quem-qualquer olhava o tempo sentia o vento que trazia longe um perfume estonteante que instigava os meus sentidos provocando fera-fêmea, louca, prá sair e fugir daquela pose de total sobriedade. O violino, covarde, sussurrava ao meu ouvido um bom Gardel. Dona de mim ainda esperava aquele-quem talvez, ninguém, pois me deixara ali sozinha a esperar... Azar! Pois o perfume tocou com a mão meu ombro nu. Eu me virei e um deus, um Zeus ou quase Apolo, estava ali. Uma mística e sensual magia rodopiou mil borboletas a voar em meu estômago. Um frio percorreu-me inteira. Suas mãos tocaram levemente as minhas e eu-menina obedeci-lhe, escrava. O deus hipnos habitava aqueles olhos que agora eram meus. E riam e brilhavam só prá mim. Eu fui nem sei prá onde e fui... E andei levitando, flutuando de tão leve-alma. Minha vida estava inteira ali. Eu dançaria em um minuto aquele tango de Gardel. O mais interminável e feliz instante dos últimos mil dias de uma vida sem sal, sem sol ou dó-maior. E entreguei corpo-serpente ao bailarino - Orfeu. Submeti-me aquele olhar e boca e cheiro e pernas, tudo... E assim sorri aquele minuto sem-fim. Seguro às mãos de Eros, meu corpo sempiterno, quase éter de tão leve girava em seus braços, rodopios... O cheiro e o suor daquele deus ali colado ao meu me entorpecia, entontecia, enlouquecia-me em febre-fêmea que fervia. O perfume se fundira aos suores e os quereres de nós dois. Uma química perfeita impregnara ambos. Minha pele e eu arrepiada, sem fingir mostrava – te quero, agora! Minha boca, pernas, olhos, eu, inteira consenti o nó e o nós. Foi quase ali sob os olhos de Gardel. Ah! Que delícia teu perfume e tudo e muito. Teu alfabeto, geografia e a linguagem do teu corpo no meu corpo que tocavas deslizando tuas mãos em meu vestido... Ah! Não me acorda ainda... Deixa mais um pouco eu sonhar com o perfume e este tango. Amando sob a chuva e com teus olhos brilhando e sorrindo prá mim. Teu cheiro e o perfume desse tango ainda estão em mim. Ouvir Gardel, ainda me arrepia...

texto reeditado
Música: true lies scent of a woman
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outra vez...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/13/2009
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Re_encontrar é [outra vez] ver-te Re_flexo

Re_editar é [outra vez] Re_escrever-te

Re_nomear é [outra vez] Re_introduzir-te

Re_começar é Re_inventar o ponto final...
O sol Re_nasce a cada dia!
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entalhe

Por Sueli Maia (Mai) em 2/10/2009
Teu grito ecoa e eu replico a dor. Guardo esse nome que sibilo em sons, prá sempre. E longe é perto e mesmo longe estás aqui em mim. Entalho um rosto em minha pele. Incrusto um nome e intacta, cravo essa memória em Cedro. Um cheiro e um monastério. Silente eu ouço a tua fala ausente. Tátil é o contorno do teu rosto que ainda guardo os traços. Entalho a cena e pigmento em cedro o pó. Em negro tinjo a dor que hora sentes à forja e o fogo com que grafas a inteireza desse teu momento. Na textura da madeira entalho os lábios teus. E os olhos são de apóstolo fiel. Entalho em mim sinais de tua passagem pela terra. E se há uma vida que se apressa em ir, eu paro o tempo e esmago a dor e a morte. Entalho em mim a contrição desse abandono. Arregalados olhos espalho ao vento toda essa iniquidade. Entalho em versos o meu desejo. Traço que em verdade a ti ainda cobiço vivo. Sopro a poeira que a madeira lança. Sopro-te prana clamando à ti, de volta a própria vida. Meu colo é teu abrigo e teu sorriso nesse peito amigo eu sei, as vezes chove. O meu desejo é que mais vida tenhas e ainda tenhas tempo para amar. Se sangram de tuas mãos as chagas, eu sei que é por elas que tu viverás, mesmo que morras qualquer dia desse tempo. Canto essa cantiga de ninar e encanto a noite e deito o dia. Em meus braços teu calvário é meu caminho. Choro a madeira no entalhe do formão. Ainda que tua vida e obra sangrem talhos, empunharei a lança e espantarei as dores. Esse é meu rito por tua vida e aqui eu esfacelo o torrão-morte que te espreita. Em tua defesa evoco a ira. Do punhado do teu medo eu faço morte em pó. E sopro prana e viverás!
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Homo-Dignus.net

Por Sueli Maia (Mai) em 2/09/2009
Vida em sopro bafejada. Barro, maçã, homem e eu. Ouvi a criação da vida e do pecado. Morte, pó, Dante e dantes, tudo parecia calmo e 'eretus'. A sapiência do humano Sapiens, Humano? Um belo dia se faz luz - Fiat Lux. Prana e vida. Sopro e a humanidade caminha, erra, cai, levanta e não vence o medo e o humano. Homo-Dignus e ético que ama e em rede clama e ama e é mortal e teme. Há que se viver e há vida a ser vivida ainda e muita vida. E Dante? Aqui há Dante e um punhado de medo e um medo que é punhado de pó. E a vida é um nó. Vida, prana cabala...língua imperfeita fala saliva o erro e cala forma secreta cabala Oráculo e alfabeto ranhura e vida prana esponja molusco inflama mundo distante e medo grita punhado de pó mortal condição humana se renova e renasce prana vida...
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Perdidos no espaço e Darwin - Um filme...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/08/2009

..........................Domingos são dias longos e a solitude é que o sabe mensurar em suas dores e fomes. Dias amanhecem cedo e os jornais estampam o mesmo e o sempre. E hoje é Darwin. Ali o ilusório e o real na crônica sobre a morte do Robô de um sériado-ficção americano que chegou ao Brasil no final da década de 60 (eu não estou louca. Robôs também morrem). Bob May foi o ator (por trás ou por dentro) que interpretou o robô da série Perdidos No Espaço (não é coisa da minha geração porque a fox, veicula até hoje). Ingenua e erradamente, eu pensava que o tal robô era uma máquina. Mas era gente, era Bob May. Quando menina brincava viajando pelo espaço (imaginativa que só vendo) e intergaláctica eu era Penny e odiava o Dr. Smith (o velho era metido a sofisticado e tinha cara de psicopata). Menina eu cria e ainda, que de alguma forma a ficção, por ser inventada, é repleta de verdade. Com garbo (sem sê-la), eu era a roteirista e produtora de filmes inteirinhos e os projetava nos pedaços de película que restavam dos cortes do cinematógrafo da cidade (produção barata. Eu comprava com dinheiro de papel de cigarros – fediam à beça). Era a festa da imaginação. Mais tarde passei a compreender que os cineastas são espécie de Nostradamus. Filmes de ficção parecem ter sido concebidos por alguém que tem a primazia da antevisão de um caos ou de uma realidade que só na arte se acessa e transita (me queimariam outra vez em alguma fogueira, mas, não sou tonta. Eu negaria para sobreviver). Bem mais tarde nós mortais poderemos, ou não, ver nas ruas aquilo que há anos vimos nos cinemas ou lemos nos livros (tenho a tendência de pensar que por mais inverossímil que pareça um filme, a qualquer momento, aquela ficção poderá se confirmar como a mais inteira e plena verdade). Assim não me assutei com os implantes e transplantes de órgãos ou membros e nunca tive medo de Frankstein,(queria defendê-lo. Sempre vi um ar de bondade naquele ‘monstrengo’. Um simples afago e ele quedava seu pescoço com vergonha...) Assim entre o seriado e as viagens aeroespaciais, para mim, nada havia de novo. Aquela odisséia já havia sido filmada, era apenas a reinvenção do ululante. Entre o real e o absurdo, chegamos à cyber-dependência-química e não mais a do personagem ‘Will Robinson’ (o garoto era um nerd em plena década de 60), mas das novas (e nem tão novas) gerações. O fenômeno da sociedade em rede me fez retrovisar meus tempos de infante-cineasta e pensei em Darwin, visionando uma geração cyber-humana (homo-solitarius-internéticus) como mutação evolutiva dos sobreviventes do medo do contato, da alteridade, de amar, e sendo máquinas não haveria suicídios ou qualquer tipo de morte, nem mesmo as de amor. Estudos arqueólogos atribuem ao sapiens o genocídio do homem de Neanderthal. E lá se vão mais dois séculos entre a cegueira, Darwin e as bases de sua teoria. Basta olhar no espelho, ficar ereto sobre os pés ou se ater ao movimento de pinça do dedo indicador, que nos quedaremos à evolução. Estupefatos diariamente e em tempo real, assistimos à releitura de Dante e assim caminha a humanidade, perdida no espaço vestindo ‘Prada’ e com alma, irmã gêmea do ódio e egoísmo humano. Perdidos na terra e no espaço e em meio a um caos (o que é pior, sozinhos porque nos distanciamos de nós e do outro, como se tivéssemos mesmo perdidos no espaço) e sem intervenção divina para as escolhas e os equívocos absurdos do humano pois cegos de nossa responsabilidade, não queremos envelhecer e nos matamos antes de adolescermos e matamos crianças, (assistimos a maior estupidez humana - suicídios e genocídios) em plena era das pesquisas genéticas. Tentamos sobreviver mais que isto, temos que sobreviver com coragem para limpar a sujeira das crianças... Bob May era um robô e nada mudou, mudou? Assim pensei meu novo filme em que Darwin inventava a humanidade perdida no espaço e na supremacia do 'homo-solitarius-internéticus', a extinção do sapiens...
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Escudo e Cervantes,a fidelidade...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/07/2009
Um dia no espelho você examina a garganta e sem alarde sabe logo que não dá mais para adiar. O melhor mesmo é enfrentar o cárcere. Mas não se assuste ou panique, você será liquidificada em breve. Já me morri algumas vezes e renasci eu mesma, bem melhor. Nem sei se é bom e se é assim com todo mundo, essa história de renovar, mudar... E se são muitos os caminhos e há pontes, assim poderia escolher. Mas preferi me perguntar se já estava, de fato, pronta. Nem sempre se consegue fazer tudo, mas sábados são dias bon, há feiras populares. Eu me divirto olhando tudo e em meio às frutas aos cheiros e ao povo, eu faço a festa. Desfaço-me dos artefatos e artifícios costumeiros, visto-me de mim e sou o dia, sou Sancho Pança e saio às ruas. Eu durmo. Mas sempre tarde e durmo pouco. Eu não me queixo pois desse modo, sonho menos. Nem sempre foi assim e eu acho bárbaro. É que num tempo em que se encolhe o próprio tempo e cada vida que se deseja viver, meus dias são maiores e eu me encho mais e mais de vida. E vivo, mais que ontem. Dias em que eu não quis viver nem crescer. Hoje, meus dias são melhores, por sobre abismos e com arte eu vivo tudo o que é possível viver. Guardei tudo. Despi-me de mim e após outro banho, vesti-me de outra, em um jeans e camiseta branca, prendi os cabelos e sai. A missão era impossível. Nada menos que a loucura de encontrar um livro raro e improvável de achar. [Não sou aerada nem aluada ou aérea mas, quando traço uma meta vou na reta engato a marcha e vou.Se eu não bater pelo caminho, canto pneus e assobio somewhere over the rainbow em bis e arranco um fui...] No café da esquina uma revista e o dia inteiro para morar com o livreiro (já me disseram que os homens que ressuscitam livros e os salvam da morte são alfarrabistas. Eu tenho a mania besta de desconstruir palavras e, francamente, não consigo deixar de rir quando leio rabista.) Já li Zusak, não conheço nenhuma Liesel e mesmo assim, uma primeira edição de 'Os Sertões', me foi subtraída e eu chorei. Desde esse dia eu admito: eu tenho avareza. Mas só com livros sou'canguinha. A porta era daquelas altas e abria em duas. Meus olhos pulavam e eu sei que brilhavam... Olhava, girando sob as altas prateleiras e pensava na soma das vidas vividas e que ali repousavam. Eu não ousava calcular. O mundo era todo folhas amarelo-encardidas e comidas por traças. Muita vida, muita. Também muito silêncio e solidão nas prateleiras. O velhinho me encantava e me mostrava os séculos e os caminhos. Não encontrei o que buscava. Mas achei um Cervantes que dormia, era um mais velho que o meu e sentei.(não é libidinagem mas eu confesso que acaricio livros velhos como se o ente fosse um Ser). Acariciei levemente sua pele, senti o seu cheiro sem nada falar, senti seu sofrer, sua história para além da própria historia de Dom Quixote e Sancho Pança e quase beijo-o. (mas disfarço, prá beijar depois, em casa). Então eu olho em seus olhos e bem entregue, me deixo penetrar, pela história, outra vez...(Isso é quase uma dependência química, eu sei) De volta à Cervantes, sem pressa alguma eu me perguntava se estaria preparada para ver em mim, o eu e o outro. E em ambos, Dom Quixote e Sancho Pança, o que se busca como troca, proteção ou cura e do que se tenta curar ou disfarçar e esconder... A cada dia me convenço de que o Homem deveria reler todos os livros que já leu, de vez em quando.(outro dia eu li que é covardia bater em cego e em bêbados e é mesmo). A lucidez da releitura de Cervantes é quase lupa. Palavras se ampliam em cada linha, cada diálogo e em cada um dos personagens posso ver, claramente o absurdo, a transferência, a ilusão... Era um soco em meu estômago. Um dia me perguntaram o que eu faria se soubesse que só me restava um dia. Eu paniquei e depois, ri. Eu me lembrei que tento, ser fiel à mim. Não queimarei em qualquer fogueira por não ter sido 'santa', eu não sou mesmo. Sou humana. Não tenho pressa, eu tenho o dia inteiro só prá mim. Ainda não sei se poderei dizer o quando... Mas uma coisa eu sei, não me demoro muito ou tanto, eu sei que é menos, bem menos que pensei esse quanto que me falta...
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fomes...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/04/2009

.....................................................................................Banalidades são epifanias populares. Eu me divirto com cotidianidades e micos leões dourados acontecem em toda mata atlântica e na blogosfera também são preservados. Hoje eu li em sitio amigo que “dedo no olho não pode e que isto é uma regra política”. Se ‘uma língua acima de tudo é um ouvido’ e sabe o tom da palavra, que tom ou som tem:
G O I A B A? (Eu sei lá!) Goiaba para mim tem cheiro. Assim eu resolvi que uma língua acima de tudo é um nariz. O meu nariz tem um ouvido e agora também tem uma língua. Golpe baixo é nostalgia gastronômica com cheiro de comida penetrando os sentidos. Fome que se sente e não se aplaca tem mil setecentos e oitenta e três calorias por salivada. Desperdício é coisa de gente irresponsável e eu era uma irresponsável com fome nostálgica de carne enferrujada. É uma carne que leva cerveja preta e tem um molho de ferrugem que ‘aii’ que coisa mais imoral é essa memória olfativa e gustativa que eu tenho com nariz e língua cerebrados, sei lá... Papilas são fundamentais à digestão e minha memória é à flor da língua. Qualquer coisa ou qualquer-quem com leite condensado é bom à beça. Mas lembrei do cheiro da tal carne ao molho de ferrugem que é um dos sete pecados capitais. Meu nariz tem memória em Gigabites e a carne enferrujada é bem simples e o cheiro dela é uma praga. Come-se o cheiro assim com pão e a fome passa. Mas eu estava era com saudade das frutas dos lugares por onde andei. Do Oiapoque ao Chuí o pé que dá, tem fruta boa de chupar ou só o cheiro já é Brasil. Feng Shui leva o cheiro e o caroço na mala e registra a biodiversidade tupiniquim e o cupuaçu no Japão com arigatô e banana para o Brasil... Mangas do Pará são doces e cheirosas, não tão doces quanto as mangas-rosas. E tem bacaba, graviola, sapoti, pitanga, cajú, murici, uxi, mangaba, bacuri, açaí, taperebá, abacaxi, ingá, pitomba(aii! Minha boca está salivando, outra vez...) Agora essa palavra pitomba não tem nariz nem cheiro tem ouvido... Fala alto: PI_TOM_BA, de novo PI_TOM_BA ...
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fotografia:
S.Maia

Papua e monges

Por Sueli Maia (Mai) em 2/04/2009
...............................................A pele é áspera. Adocicado e cítrico é o cheiro da velhice de um novo ou velho livro. Agora e outra vez era a mesma coisa – a palavra e o silêncio. Os anos vão passando consumidos pelo tempo e eu nem tão velha assim, vou ficando cada dia mais endividada de afetos, cega e tateante de amizades pois gosto de gente e igualmente de livros. Desde sempre adoto livros abandonados em sebos e os recebo como novos e modernos, cheirosos e inteirinhos para mim. Achei Tolstoi num desses sebos em São Paulo e bebi com ele um café, sorrindo pelo achado (que Deus o tenha e ao seu antigo dono zeloso, também). Ser unânime é ter orelhas grandes e o homem talvez seja o único Ser dependente das oposições. Silêncios são repletos de eloquência e a onomatopéia do silêncio (Shhhh) parece ser universal. Inteiro de palavra é o silêncio e nele haverá ou não um livro a ser escrito. O silêncio é um mantra e os sábios o sabiam desde sempre. Em Papua orelhas são mutiladas em ritual e os monges afastam-se do burburinho do mundo para a escuta de si mesmos. Segundo João no princípio estava o verbo e se é assim, o verbo é Deus? Shhhh deixa prá lá... Eu vou pensar que os mundos são constituídos pela palavra e um livro é um ente bafejado pelo hálito divino. O livro é o mais falante dos silentes que já li. Houve um tempo em que, no espelho, eu pensava que era filha de Monteiro Lobato, irmã do tal visconde e quase tive uma crise existencial ficando entre ser um sabugo de milho ou uma pessoa. Estava em um sebo pensando nos sons e cheiros dos livros. E livro tem pele e memória. Sou olfativa que só vendo e junto ao nariz, minha memória auditiva compensa uma cegueira de três graus. Heidegger e Balzac pensaram em amizade como supremacia das paixões e eu tenho uma amizade superlativa por livros. E viajei (prá variar...) pensando no genocídio dos livros-pele pelos e-books (fazendo um mea culpa e condenada em tribunal por estar 'blogueira'). Mas pela alegria que sinto quando vou à uma livraria pensei - é impossível. (fico igual pinto no lixo e me demoro horas ali...). Não há como abrir mão do cheiro dos livros. O livro é um ente com história e voz e o cheiro do ácaro (me deixa com tesão que só) não me irrita ou dá espirros... Nos livros conheci o mundo e percebi a arrogância do homem em se pensar perfeito criando um deus antropomórfico. Desconstrui tudo que me enfiaram goela abaixo e tudo que estava escrito sobre Deus e fui buscá-lo e entendê-lo em meu silêncio. Assim, como não sou arrogante, descobri que há um livro em meu silêncio. Meu próprio livro. Um narrador de mim. E livros são amigos. Quando invento de escrever, meus amigos me lêem e morro baleada e é uma festa. Sou Sofia sou Arminda sou Maria das dores ou não, mas sou qualquer-quem que eu queira ser...Tudo em meu silêncio me surpreende. Estrela do tempo, meu livro e meu silêncio imperam em verdade, sofisticadamente escamoteada, de modo que a ninguém eu possa incomodar.
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Imagem By methodAVANTGARDE

estigma

Por Sueli Maia (Mai) em 2/02/2009

A solidão é uma criança estigmata, nas mãos suas chagas. Medo é a palavra que escapa e num abraço se contém ou esvazia. Então escrevo e assim não morro de silêncio ou do meu medo de um dia morrer só. Porque a palavra é o tempo e todo tempo tem seu tempo que não sei...
E se a memória me faltar?
Morro de medo!
A solidão é uma criança estigmata com chagas nas mãos.
E se o medo é a palavra que escapa e a solidão, então escrevo e assim não morro de silêncio ou do meu medo de estar só ou morrer esquecida.
A beleza dos vitrais está na luz, nos vidros ou no olhar?
E a beleza está dentro ou fora das grutas e das catedrais?
...Imagens Google
 

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