Inspirar-Poesia, um segundo sopro

reiniciando a máquina...

Por Sueli Maia (Mai) em 6/29/2009
Mais um ano sem laços de fita e eu, nem alegre nem triste, na ultima hora da noite, vagueei. Vagueei em sobrevoo sobre mim, vagueei sobre a cidade, sobre uns que dançavam, outros que dormiam e outros que ainda acordados, também vagueavam. E vagueei sobre meus sonhos e vi que os tenho e são tantos... Vagueei sobre projetos a começar, sobre os que há a concluir. E sobre rotas do viver, eu pairei. E pairei sobre os planos de viagem, sobre a velha máquina e eu. E vagueei sobre o ponto de chegada, sobre a hora da partida e o recomeço em um ponto qualquer, numa hora qualquer e me assentei, pensativa. Mas hoje é outro dia em que eu reafirmo propósitos, transformo desejos, promessas em metas e agora, reiniciarei a máquina que está instalando as atualizações.
.
Arte: Chagall
.
.

o sopro e o fruto

Por Sueli Maia (Mai) em 6/26/2009

Filho é sempre o mesmo, é sempre outro, e sempre é único. E por mais que não creiam são únicos, sendo Um e sendo um filho. E quando me vi estava às voltas com a primeira gestação. Na travessia de uma avenida eu senti a prmeira, das tantas contrações que até hoje, sem as dilatações ou as dores do parto - mãe - ainda contraio.Porque ser mãe é para sempre e, eternamente, aprender a rezar pelos filhos, lutar pelos filhos, sonhar com os filhos, sonhar com o sonho dos filhos em concreto, e é ser mais feliz, quando os filhos nos dizem que estão. Foi ainda adolescente que aprendi o significado do amor incondicional. Porque é um jeito de amar diferente. É pele e é fruto do ventre. É gente com o feitio e as marcas da gente; é corpinho que mexe lá dentro da gente. É amor que não conhece desamor, amor que não cabe, que não se contém, é amor que não conhece o que é fim. Foi num dia comum e igual, e ao mesmo tempo diferente de tudo e de todos os dias normais, que eu aprendi que ser mãe, seria para sempre atravessar uma avenida, em que o fim se daria apenas no ultimo sopro. Enigmas da maternidade; beleza e fortuna de poder contemplar-lhe a face e o sorriso. E são amigos verdadeiros, amor verdadeiro.  Feliz Aniversário, Felipe. Amo você meu filho.
Filho é sempre outro e é sempre o mesmo. Mesmo no inesperado dos seus voos, porque um filho é um sopro que é luz. 
.
Arte: Vicente Luis Vieira Simas
Música : Jean Luc Ponty
.

onda...

Por Sueli Maia (Mai) em 6/25/2009

Quase tarde e quase estou sozinha na casa e tenho febre no quarto e há muitas vozes ao redor e há feições, há lembranças de afeições e uma mescla de imagens no quarto vazio tão cheio de febre e frio. Há loucas confusas e há guerra de gente com febre confusa e uma onda de febre confusa, a mente difusa. A vista escurece e está turva e tudo intumesce e há febre e os lábios rachados da febre nos olhos que fervem. E a fome é menor do que a sede e a febre dá sede e a sede aperta a garganta com sede. Paredes vazias e o medo da febre, da fome e da sede. A febre é rubra e a bola no teto está rubra e a morte é mística e as vozes na mística gritam à razão que me grita e ao redor não há gritos de gente, há febre e onda de frio e sem gente ao redor, enfim, estou só. E com febre, com medo e com sede de gente, na casa vazia é noite, bem tarde da noite, sou febre.
.
Imagem Google
Música: Martelo Bigorna - Lenine
.

ave rara...

Por Sueli Maia (Mai) em 6/14/2009

Ave rara fugidia que num ímpeto rasgou o azul. Aquela ave de asas rubras lá no alto, não sou eu. É um signo místico e esquivo voando no céu. É a palavra fustigada que fugiu e agora dança e se lança bordando o espaço em voo de ir e só vem, quando ela quiser. Volta depressa, bem sabes, tens minhas mãos. Vem, volta breve, alegre em bando. Vem leve, festiva, menina faminta de mim e de minha poesia. Quem sabe dou-me asas e eu também, voo junto contigo em azul. Meus versos secaram e deitaram na areia. Adentrei minha selva e, com medo, derramei o meu corpo e fui rio, deitada nos braços de um igarapé que afluia outro rio, correndo 'pro mar. Afoguei os meus olhos e eles vazaram em noite. Ave rubra, reclusa em meu coração, porque te esquivas nos beirais e varadouros? Dá-me palavra, meus versos de volta e fica placenta em mim? Ave rara, tu sabes que tens a minha devoção.
.
Fotografia: Alex Almeida

cárceres...

Por Sueli Maia (Mai) em 6/12/2009

O dia se fez longo na vigília da angústia e desespero de um homem. Seus braços iam e vinham com vigor e sincronia. E não voltou como antes da viagem que o partiu, naquele dia. Um homem esquálido, um pêndulo obstinado em desalinho ora ao norte, ora ao sul na caminhada interminável. Toneladas de agonia e desordem mental pesavam e marcavam fundas, as suas pegadas na areia. Passos ritmados de um homem cabisbaixo, atordoado e aflito. Ia, vinha, parava na ponta do mar à beira e com olhos fixos e perdidos no horizonte do mundo, prenunciava seu desejo - seu novo destino - O mar, morada prá sempre do nada que se sentia pois perdera seu único amor. Ela não cansava, ficava bem perto, silente, atenta, em vigília. Observava e registrava, nos sinais, sua intenção. Estava alerta e pronta para agir, contê-lo, abraçá-lo, protegê-lo. Ele era um planeta convulsionando em emoções, em desespero e medo. À parte, sua expressão facial que em momentos ria e noutros adensava a tez e depois, com o indicador, apontava uma nova decisão. A seguir mudava a rota e novamente cabisbaixo, seguia sem rumo, sem norte, ao vento. De seu mundo era ele mesmo o único ser vivente e em si, uma verdade hostil - seus fantasmas, suas culpas, suas sombras e na emoção desgovernada, um deslugar, um desdesejo de ficar, de existir... Subiu o aclive da areia e a seguir, parou frente uma casa branca, portões azuis, janelas largas, uma rede vermelha na varanda. Olhou, apoiou-se ao muro, bateu palmas, chamou alguém e pediu água. Olhos de espanto viu algo e assombrado desistiu retomando apressado o caminhar sem tréguas. Agora e sempre, sem emitir qualquer som, ela caminhava ao seu lado. Cúmplice ela imprimia solidária o seu ritmo, ao lado, juntinho, naquela viagem sem roteiro e sem destino no des_tino de um Ser, em sua desordem humana. Um ir e vir, um descaminho e ele percebe que não está só. Prisões sem grades são cárceres perpétuos da mente humana...
.
Arte: Sigmar Polke
Música: The last mohican
.

coleções esculpidas...

Por Sueli Maia (Mai) em 6/07/2009
Havia um mistério indecifrável naquela coleção de esculturas masculinas. Não apenas pela inquestionável perfeição dos corpos, mas elas pareciam mover-se, ter vida e isto causava arrepios. Guardava todas e desde a primeira, jamais vendera. Suas mãos deslizavam na argila, delicadamente. Renovava a umidade molhando a ponta dos dedos na água e assim esculpia sem pressa, dando forma à miniaturas perfeitas de homens modelados em minúcias. Eu a olhava e em cada gesto percebia - ela era puro desejo. Por vezes parecia buscar traços de um passado que sua memória guardava. Fechava os olhos e com sorriso modelava como se lembrasse alguém a quem desejava pausar no tempo, no espaço e guardar, somente para si. Ela amava cada uma daquelas estátuas de barro ou mármore, como única. Depois que acabava a obra e por todos os dias a seguir olhava, beijava, tateava, como quem reconhece num corpo, a pele que amou. Um ritual que causava estranheza porque durante o dia ela cumpria a difícil rotina de uma mulher que dedicada, cuidava do lar e da família. Naquela manhã convidou-me a caminhar pela areia e, contou-me das tardes e noites com a sua coleção. Disse-me que vivia por amar intensamente e pelos amores que tinha vivia e morria, também. – Cuido, que tudo eu consiga fazer nas manhãs. À tarde esculpo os amantes que amo, sob o céu das madrugadas. Tateio seus corpos milimetricamente, os farto de prazer e depois os modelo, na memória que guardo dos seus corpos, em minha retina, em meu corpo, em meu coração. Eu os traço perfeitos e sopro vida sobre eles com minh'alma. São todos meus homens. Eu os esculpo e dou-lhes vida porque eles dão-me a vida que eu preciso para seguir. Céus protegem amantes nas madrugadas e as mãos, colecionam seus mistérios.

.

Escultura: Camile Claudel

ilusões do tempo

Por Sueli Maia (Mai) em 6/04/2009

O que seria - no tempo, a ilusão dos amantes? Muitas vezes ela vinha mas não estava ali. Abraçava os papéis e os mantinha junto ao peito. Nada dizia, apenas olhava, longe, no longe de um olhar que fitava o nada. Não chorava ou sorria. Permanecia lívida, fria, cálida e ausente ficava, por quase uma hora. Naquele dia falou ininterruptamente e contou-me, por fim, o fim do que disse-me ser, ilusões do amor no tempo que se tem para amar. Era madrugada quando ouviu que alguém a chamava aflito. E falou por longo tempo: - Era o Dino – Vem depressa, corre, ele chama por ti. Apressa-te, em instantes, ele não mais será. Anda ele chama e implora por ti, deseja ver-te depressa. Deseja-te, com os olhos, ele ainda te quer. – O silêncio - éramos nós, à caminho. Em poucos instantes, rua treze, e a velha casa, finalmente se abriria para mim. Sem quase estar, lá estava o quase corpo, ofegante, deitado e, quase sem vida, eu sentia, amava-me ainda. Com os olhos, pedia-me dá-me mais tempo e mais vida... Os meus olhos o fitavam, esperando as palavras não ditas à tempo, com tempo bastante para amar. Em seus olhos - os meus, os anos de espera. Agora nossos corpos calados e os corações, ainda querendo e gritando, tentando entender. Chamou-me com o olhar e mostrou-me uma caixa onde havia papéis. Pediu-me que lesse e em silêncio, mostrou na dedicatória que tudo aquilo era meu Sentei-me ao seu lado e, segurando a sua mão li, por tempo que não sei, anos inúteis de amor, deitado em branco nos desejos guardados em papel. Agora, por fim restaram-me mãos frias e os lábios do amante no amor adiado na ilusão do tempo.
.
Imagem Google
 

Seguidores

Links Inspirados