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'Todo vivente, sofre. E sofre ali, bem na fronteira entre o que é, e o que está sendo. Entre o que deseja, e que não se permite aplacar. Entre o que sente, e se nega viver e admitir. Eu, sempre quis ser simples. Mas, megalômana e utópica já tive um dia, o pensamento mágico de talvez, pensando-me um deus, poder lenir as dores, da humanidade inteira. Sobrevivi desapontada, por um bom tempo, à constatação da minha humana impotência, e cresci. Ciente de mim e dos meus limites, eu tenho cá os meus sonhos, conflitos, manias, só minhas... E um jeito de ser que procura um caminho, possível, e a medida do meio, em tudo.
‘ - Adoro subverter normas e paradigmas mas, também tenho especial pendor e fascínio, por pesquisa cientifica. Eu as faço bem, e com prazer. Não sou ortodoxa em quase nada (a não ser na minha própria heterodoxia). Mas, se quero, sou vegetariana. E como folhas, às vezes... Devoro folhas, de livros... Mas minha ânsia inesgotável de saber, possui um vício – Ser simples. O senso comum me alimenta, também. A vida e o homem singelo, me encantam. Eles guardam um conhecimento e sabedoria, que as academias vaidosas, soberbas e repletas de verdades e certezas, ignoram. É que eu mesma, ainda, não escrevi uma “epistemologia dos saberes populares” (na verdade eu penso, que a indiferença científica sobre qualquer coisa, dura até, que um qualquer-quem constate, a cientificidade implícita, da “suposta” bobagem... Ai, o(s) doutor (es), se apodera(m) da verdade científica... xiiiii deixa eu pensar baixo...(ou irão me banir, novamente...) O simples de um modo geral, guarda tímido-acanhado um saber, gigantesco, sobre um mundo que, só ele, conhece, domina e, se ele quiser, replicará, sempre. Minha curiosidade-festiva, brinca e se alegra ouvindo, sem pressa, o saber popular. São das poucas histórias que eu não encontro, nas bibliotecas - minha ou públicas, ou nas folhas dos livros com que alimento, a minha inquieta e notória fome de saber...
‘ - Amo viajar. Descobrir coisas, conhecer pessoas, interagir, inspirar novos ares, em liberdade. Me apaixonar e renovar a vida...Eu me apaixono mil vezes, por tudo. Jamais consegui ser superficial com qualquer-isso, ou qualquer-quem, com quem eu tenha estado. Assim, desde sempre-gente, eu ando pelos mundos... Verde-amarelos Brasis... Rurais e urbanos, agrestes e úmidos, inóspitos e acolhedores, brejeiros e sofisticados, serranos e marinhos.
Em todos olho coisas, vejo vida, ouço gente.... Eu, mochila-mala, andante-navegante, vou indo, caminhando, existindo, sendo...
Me descobri resiliente e adaptável, nessas estações-trilhos e, nas estradas-atoleiros de um viver já gasto, um tanto... Na metade de uma vida que renasce a cada dia, estou eu... E entre ruas, caminhos e descaminhos. E em meio à idas e vindas, encontros e desencontros, eu sempre volto, ao chão e aos rios de minha terra simples. Aqui, eu me reencontro. Meu eu, com as vastidões de mim se aninham e se gritam, se acusam, se cobram, se xingam, guerreiam, se agitam... E, no limite de uma dor, pacificam seus quereres. Dosam dualidades, ajustam sintonias e equilibram polaridades para que enfim, eu consiga viver a minha reles, humanidade. Experimento todas as minhas sensações, emoções, desejos e vontades, possíveis, oscilo e contenho o selvagem e o terno, o metálico e o erudito, o intenso e o gradual, o sussurro e o grito, o suave e o brutal, a doçura e a agressividade (são doses mínimas e medianas que eu me permito, é bem verdade. É que eu evito os extremos.)
‘ - Estou em solo, em berço, em útero. Na Veneza - brasileira, arranhando os céus de mim, planto-me, finco-me, há dias, nos andares medianos de um edifício, chamado “Esperança”. Da cobertura olho, ao longe, um infinito-horizonte de um lugar... Carros e construções, minúsculas, resgatam em flashback minha vida, as experiências, o “pé na estrada” e os dilemas entre o eu simplicidade-campo e o eu, sofisticação-metrópole.
Nesta mesma proporção, ontem-longe e hoje-perto, se atualizam. Um fenômeno inexplicável, se revela. E uma luz cinematográfica projeta, as minhas ambigüidades e conflitos, que habitam: terra e cosmo, nascente e oceano, o raso e o fundo do mar dos meus sentires...
Num filme dinâmico então eu vejo, dores e angústias que senti, bebi e me embriaguei. Os mil caminhos que andei, as zil viagens que já fiz, os amigos que deixei, as mais distâncias que corri e percorri... E o tanto e imenso que tentei, encontrar “um” lugar e “um” alguém... Eu amei e desamei... Porque, distante de mim, como eu poderia? Como me acharia se eu me perdi de mim, do eu, do tu, do nós e do amor?
‘ – Não sei como, mas pressenti que este ano, meu natal seria atípico. Deu meia noite, em 24 de dezembro e, justo agora, meu pensamento, (que sempre teve vontade própria) me ocupa e me obriga um repensar...Gosto de tudo que me faz pensar... Assim decidi registrar este momento, inusitado, de um natal em que, sozinha, estranhamente, não estou só. Acompanhada e em companhia da cidade inteira, avisto, soberana, o ilimite sem fronteiras de um mundo, incontido de casinhas e luzinhas, rios e pontes e gente. Nas casas não os vejo, mas sei que estão lá... A cidade é um mundo iluminado, é um todo. Lembrei Lennon, numa festa natalina com mil árvores a piscar... Então sorri prá mim, comigo, myself e pro meu self. Porque só havia eu, ali.
Epílogo - Assim conclui que, apesar de toda economia psíquica, investida em novas trilhas e pensares, foi uma simples árvore iluminada e um neon piscando longe, um natal, que me acenderam uma luz e inspiração. Eu concebi de repente, um roteiro modesto. E me fiz cineasta, diretora e atriz... E me dei de presente um filme, já escrito, estrelado e lançado, por mim...
Este filme seria caótico-incompreensível, não fosse a legenda. Porque nele eu mesclo, imagens, metáforas que, de tão complexas, fadariam ao insucesso, ambos - roteiro e atriz, desta trama. Pausa.
Vou ligar a tecla SAP, a legenda e rewind... Pois a partir de agora vou segredar um embate: Meu pensamento e eu, se questionam...‘Prá problematizar e entender, o que será que me dá... E saber:
- Onde cabe o simples e o campo? - Em mim.
- Onde guardas o gosto cultural e o requintado? - Em mim.
- Onde está a cientista? - Em mim.
- Onde anda todo o resto? - Em mim.
- Onde cabe isto tudo? - Em mim.
- Como fazes para ter, assim? – Amo! Apaixonada e viciadamente, eu amo. E acredito que o amor existe, de verdade!
- O que fazes prá viver e estar assim? - Escrevo e reescrevo e me emociono e gosto disso. Ser e Estar assim, me faz humana, civilizadamente - gente. Invento e reinvento, poesias e roteiros a cada dia... E experimento, corajosa, as doses diárias de cada coisinha que sinto e que amo, bem dentro de mim.
- Onde e como distribuo este filme? - Em árvores. Em folhas que espalho, soprando a quem queira, no ar ou no mar, sem fronteiras, em sopros de vento...
- De onde vem tua força? – Da minha alegria-menina-maria que ri e que brinca que ama e que gira no sol...Sou um girassol... E, apenas, um ser humano.
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