Inspirar-Poesia, um segundo sopro

coleções esculpidas...

Por Sueli Maia (Mai) em 6/07/2009
Havia um mistério indecifrável naquela coleção de esculturas masculinas. Não apenas pela inquestionável perfeição dos corpos, mas elas pareciam mover-se, ter vida e isto causava arrepios. Guardava todas e desde a primeira, jamais vendera. Suas mãos deslizavam na argila, delicadamente. Renovava a umidade molhando a ponta dos dedos na água e assim esculpia sem pressa, dando forma à miniaturas perfeitas de homens modelados em minúcias. Eu a olhava e em cada gesto percebia - ela era puro desejo. Por vezes parecia buscar traços de um passado que sua memória guardava. Fechava os olhos e com sorriso modelava como se lembrasse alguém a quem desejava pausar no tempo, no espaço e guardar, somente para si. Ela amava cada uma daquelas estátuas de barro ou mármore, como única. Depois que acabava a obra e por todos os dias a seguir olhava, beijava, tateava, como quem reconhece num corpo, a pele que amou. Um ritual que causava estranheza porque durante o dia ela cumpria a difícil rotina de uma mulher que dedicada, cuidava do lar e da família. Naquela manhã convidou-me a caminhar pela areia e, contou-me das tardes e noites com a sua coleção. Disse-me que vivia por amar intensamente e pelos amores que tinha vivia e morria, também. – Cuido, que tudo eu consiga fazer nas manhãs. À tarde esculpo os amantes que amo, sob o céu das madrugadas. Tateio seus corpos milimetricamente, os farto de prazer e depois os modelo, na memória que guardo dos seus corpos, em minha retina, em meu corpo, em meu coração. Eu os traço perfeitos e sopro vida sobre eles com minh'alma. São todos meus homens. Eu os esculpo e dou-lhes vida porque eles dão-me a vida que eu preciso para seguir. Céus protegem amantes nas madrugadas e as mãos, colecionam seus mistérios.

.

Escultura: Camile Claudel

31 comentários:

Vivian disse... @ 7 de junho de 2009 às 01:46

...ah
se pudessemos moldar
os objetos de nosso
prazer,
e fazê-los
perfeitos na medida
de nossas paixões!!!

pura utopia...

bj, querida minha.

Paula Barros disse... @ 7 de junho de 2009 às 08:43

Ai, Mai...

Vou lendo e me dizendo, nossa!, ela tem cada ideia. É possível sentir as estátuas criarem vida, desfilarem conforme os desejos e fantasias de quem as observa.

Um texto muito interessante, onde vida precisa de vida, e por isso dá vidas.

Adorei!!!

beijos e ótimo domingo.

DBorges disse... @ 7 de junho de 2009 às 10:10

Ai, que lindo May!
Ao ler você percebi que "moldar" todos nos isso fazemos. Eu, moldo, moldo-me. E nunca consigo criar uma imagem perfeita.
Não sei se era exatamente isso que quis dizer, mas foi assim que eu entendi.

Amei!

Domingo lindo. ;*

:.tossan® disse... @ 7 de junho de 2009 às 10:16

Esculpindo as noites de prazer e fazendo poesia com elas para seguir em frente e poder fazer tudo outra vez, mesmo que seja só no pensamento. Bonito isso, muito! Beijo

Márcio Vandré disse... @ 7 de junho de 2009 às 10:40

Somos nós os escultores do nosso próprio destino.
Teimamos, muitas vezes, fazer as esculturas com areia da praia que desmancha com a água bravia do mar.
Poucas são as situações que damos ensejo a algo concreto e realizador, algo que fique marcado como a cicatriz mais profunda.
Temos medo de querer, de tentar construir.
Somos covardes.
O braço da estátua de pedra acabou de se esparramar no chão...

Belo texto, Mai.
É uma impressionante pensadora!
Beijos e parabéns!
=**

Beatriz disse... @ 7 de junho de 2009 às 11:36

Belo texto. Eu queria esculpir os versos. Sabe, tenho sempre a impressão de que a arte plástica, a pintura, escultura, instalções...por que não , a arquitetura e a música são mais fáceis do que a escrita. Eu diria mais recompensadoras, mais reconhecidas. Mais fáceis de promover no receptor o prazer.
A gente escreve e escreve e trabalha a escrita e ficam as palavras. . Essa logo depois de escritas e lidas viram passado.Ou melhor, passam

Quintal de Om disse... @ 7 de junho de 2009 às 12:45

A Mai,
O viver é um esculpir constante.
Os sonhos e o viver...
O ir e o ficar...
Dentro e fora de nós, há muita argila pra se fazer arte!

Beijos querida!
Saudades de ti lá em casa!

Beijos na alma

f@ disse... @ 7 de junho de 2009 às 13:28

Mai tb sabes esculpir as palavras com essa emoção e sentir ... como torcer o barro humedecido e tocar suavemente a pele de argila...

imenso beijinho

Lú Naíma. disse... @ 7 de junho de 2009 às 15:33

Belo !
Há quem lamente o facto de não podermos moldar o outro. Eu não lamento, pelo contrário, dou graças a Deus. Triste seria se os corações fossem moldados à nossa maneira, nós que trazemos connosco tantos defeitos, construiríamos corações defeituosos, com lascas e rachaduras irreversíveis.

Aí está a graça da vida, moldamo-nos a nós próprios como bem entendemos, mas o outro não. O outro tem o direito de ser livre e de ser moldado por mãos divinas e não humanas, repletas de malícias e contaminações mundanas.

Belo texto Mai, uma mistura de paixão e solidão que me inebriou os olhos e o coração.


Miminhos,
Sun.

Cris Animal disse... @ 7 de junho de 2009 às 18:17

Triste, minha Amiga!
Solitário demais! Impossível e distante!
esculpir sonhos que jamais terão vidas a não ser em mãos que sonham quando deslizam pedras frias...
Lindo, como TUDo que vc escreve, mas triste, distante...

Se pudéssemos dar vida à todos nossos sonhos...se pudéssemos deslizar as mãos e aquecer os corpos mais frios....ah!

beijo grande e linda semana!

FERNANDINHA & POEMAS disse... @ 7 de junho de 2009 às 19:22

QUERIDA MAI, VOTOS DE UMA BELÍSSIMA SEMANA... ANTRAÇOS DE CARINHO E TERNURA,
FERNANDINHA

Van disse... @ 8 de junho de 2009 às 00:13

Ê Mai. Você é incrível. Não há um dia em que eu leia algo seu 'tão de todos' que eu não sinta arrepios por parecer ver as palavras e frases se desenrolarem na minha frente, como cenas vivas!

:) Saudades daqui. Sempre.
Van.

Osvaldo disse... @ 8 de junho de 2009 às 06:16

Oi, Mai;

De volta, depois de uma ausência profissional, não poderia passar sem te visitar neste te atraente blog.

Esta crónica de amores vividos transportados com perfeição para o irreal saídos de um real vivido, são a prova concreta que os amores, assim como os diamantes, são eternos!... e cada pessoa que os viveu, inventará à sua maneira a melhor forma de os proteger.

Lindo, como sempre, o que tu nos ofereces e que nós, como água fresca, nos deliciamos.

bjs
Osvaldo

Andre Martin disse... @ 8 de junho de 2009 às 08:55

Ei, você que gosta de brincar com as palavras, seus significados e raízes entrelaçadas (com outras palavras), acho que vai gostar da definição de Ambigrama.
Veja este vídeo:
http://abacatu.blogspot.com/2009/04/ambigranima-ii.html

Andre Martin disse... @ 8 de junho de 2009 às 09:25

Dizem que Michelangelo, ao terminar de esculpir David (ou seria Moisés? ah, não sei, não importa), quase destruiu a obra ao martelá-la angustiado e dizendo "parla! parla!". Ou seja, de tão perfeita, queria que começasse a falar, ganhasse vida!

Aliás, dizem também que ele dizia não fazer esculturas (!!), ele as libertava do bloco que a continha!

No caso do caso que você conta, quem é "ela" do conto????

Então, sobre "ela", pode ser lindo e coisa de artista, mas pessoalmente acho um grande desperdício ela ficar se ocupando de suas estátuas com tanto vício, enquanto há homens de verdade por aí que não só se deliciariam com uma dedicação parecida como também poderia proporcionar a ela prazeres que as esculturas não podem... Fazer uma coisa não necessariamente significa deixar de fazer outra...

É algo parecido como assistir a um bom filme: podem ser horas deliciosas que se passa diante da tela, mas são horas preciosas que deixam de ser vivenciadas. Uma história ouvida não é a mesma coisa que uma experiência vivida!

Bruna Isidoro Sampaio disse... @ 8 de junho de 2009 às 10:10

Querida Mai

Peço desculpas pela ausência, e agradeço seus elogios que me fazem cada vez mais confiante no que escrevo, pois, você escreve muito bem, de um jeito que me faz ver a ação de seus textos em minha mente, como a mulher que esculpia corpos.

Obrigada, grande beijo.

Bruna

Anônimo disse... @ 8 de junho de 2009 às 11:44

Bom Dia Querida!!

Passear por aqui , no seu cantinho é transportar a mente e viajar em meus mais profundos pensamentos.
O que seria a vida se nao o dar a vida ?
Dar a vida á lembranças..
Dar vida a algo que nos inspira..
Ou como no texto descrito dar forma a estatuas de amores que passaram mais que que nos deixaram lembranças...

Ai ai lindoooooooooo tudo isso que seu blog possui...
A essência é gritante por aqui!!

Beijinho e muita luz!!

Anônimo disse... @ 8 de junho de 2009 às 14:12

teus textos sempre movem meu mundo.
;õ)

Andre Martin disse... @ 8 de junho de 2009 às 21:24

Olha, você quem gosta de princadeiras sérias com as palavras, precisa conhecer e curtir o trabalho do "Gabriel, o Pensador". Veja um ótimo exemplo bo seguinte blog:
http://lifeinmusics.blogspot.com/2009/06/primeiro-post.html

Judô e Poesia disse... @ 8 de junho de 2009 às 21:51

Oi Mai,

As esculturas de Camille Claudel, assim como as de Rodin, são de uma perfeição notável e escondem algo que para mim é um dilema da poesia.
Rodin foi um perfeccionista, gênio de sua arte, e Camille, foi a discipula de Rodin, apaixonada pelo mestre a ponto do total enlouquecimento.
O dilema é o quanto de paixão tem que haver na poesia e o quanto de apuro técnico.
Algumas estátuas são perfeitas, quase corpos vivos e acalmam os nossos sentidos com a certeza de nós mesmos. Outras nos seguram sobre o abismo da alma do artista, ensandecido, no anverso do que somos.
Eu gostaria de ver a minha pitoniza arremessando o trípode do templo de Apolo ao solo e arremetendo-se pela floresta junto as Bacantes a tecer loas a Pã.

Beijos,
Domingos

Márcio Ahimsa disse... @ 8 de junho de 2009 às 21:55

Creio Mai, que modelar a arte do prazer, o que nós é mais íntimo de nós mesmos, aquilo que é inerente a todos, é a pura razão de viver. Os homens ilustram seus sonhos através de pequenos rabiscos que começam com pequenas vontades. Depois essas vontades se agigantam na alma, e tornam-se verdadeiros objetos da nossa busca nesse viver. Sem os desejos, sem as vontades, sem, por fim, os sonhos, nada seríamos, ou melhor, seríamos como as pedras que nada sentem, nada sonham, nada podem, apenas existem. Moldemos então os nossos sonhos com as mãos do nosso melhor prazer, do nosso gozo, da nossa transcendência de corpo e alma para um plano elevado de consciência plena de que necessitamos modelar o nosso viver, dia após dia.

Beijos, querida. Carinho sempre.

_Gio_ disse... @ 8 de junho de 2009 às 23:01

Uau!

Ps.: Queria saber moldar uma amante pra mim...

lula eurico disse... @ 9 de junho de 2009 às 10:20

Creio que há expressões da arte que são projeções do ser amado. Os grandes escultores deixam essa impressão. E o teu texto, apesar de estar na terceira pessoa, também deixa entrever um amor.

Abraçamigo e fraterno.

Paula Barros disse... @ 9 de junho de 2009 às 11:15

Oi, Mai

Como estás? Onde andas? Senti sua falta lá no seu maluquinho de estimação.

Cada dia seus textos estão mais bem elaborados e bonitos.

beijos e abraços

Maria Dias disse... @ 10 de junho de 2009 às 07:03
Este comentário foi removido pelo autor.
Maria Dias disse... @ 10 de junho de 2009 às 07:04

As mãos trazem as lembranças(quando passeiam pelas coisas e pessoas elas vêem).Interessante esta moça que colecionava seus amantes nas formas...Ela não os deixava morrer,talvez fosse difícil deixar ir... Gostei!

Bom feriado Mai!

Beijinho

Maria

adouro-te disse... @ 10 de junho de 2009 às 08:37

Como moldas com palavras-dedos o barro dos teus sentires...
Beijo.

Oliver Pickwick disse... @ 10 de junho de 2009 às 17:35

Pequena história criativa, repleta de enigmas e símbolos. Aliás, poderia até desdobrá-la em um conto maior, ou para o enredo de um filme.
Não deveria, mas você sempre me surpreende.
Um beijo!

Luna disse... @ 10 de junho de 2009 às 17:57

A vida é para ser moldada,esculpida com muito amor, cuidado, doçura, e quando algo fica pronto passa a ser um retalho um pouco de nós que fica muito difícil nos desfazermos.

Namastê

Maria Dias disse... @ 11 de junho de 2009 às 03:59

Oi amiga...

Passando para desejar-lhe um excelente feriado e tb lhe convidar a aparecer no Bem me quer pois tenho uma dica para os apaixonados de ontem de hoje e de amanhã!rs...

Beijinhos

Maria

Valdemir Reis disse... @ 11 de junho de 2009 às 18:24

Olá honrado e feliz por visitar este importante, belo e original espaço... Registro a minha imensa satisfação ao passar aqui, valeu! Parabéns pela grande escolha do tema, excelente texto, uma preciosidade. Quero compartilhar com você o poema abaixo de William Shakespeare
”Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...
O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.
O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.
No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.
O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida
companheira.
Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.
Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração.”
Votos de um dia repleto de alegria. Muita prosperidade e bênçãos. Paz, luz, saúde e proteção. Felicidades, um fraterno e caloroso abraço. Fique com Deus.
Valdemir Reis

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