Inspirar-Poesia, um segundo sopro

as imagens

Por Sueli Maia (Mai) em 1/30/2010
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Ali o trabalho era minucioso. Com a porta principal ainda fechada, os sons se amplificavam. Passadas e pancadas ecoavam causando incômodo. Por onde entrava, o vento juntava sobre o gesso, o pó e o sombrio. A limpeza das peças sobre o mármore parecia mecânica. Seguras às mãos, estávamos distantes daquele pensamento. Mistérios instigam e desafiam os limites humanos e quanto mais denegada, mais a fé se reafirma no inexplicável de pequeninas coisas. Sobre os meus olhos os afrescos e os vitrais que a clarabóia iluminava. Sob eles, os bancos e outras imagens que se perdiam no silêncio e na contemplação das horas. Ela chegou logo cedo e como sempre flexionou os joelhos e ao passar entre as fileiras, ergueu o olhar, com a mão direita gesticulou um sinal e sentou. - Me ajuda! - Foi o que sussurrou ao olhar-me no alto. Daqui eu ouvi, mas também pude ver que ele - pela porta lateral - entrara, imperceptível às demais. Há instâncias que entre o instante e a eternidade perscrutam, invisíveis. Tomou-lhe pelas costas e disse baixinho: - vem cá, aqui atrás é bem melhor... - Por trás da coluna o que vi foram mãos às coxas, assim que ele levantou-lhe o vestido. Antes que o sino tocasse, ainda ouvi-lhes a respiração e entrecortados, os gemidos e as juras de amor. Aberta a porta ela se recompôs alinhando o vestido. Ajoelhou-se, cobriu-se com o véu e novamente se benzeu. Soprei-lhe no ouvido. Fitou-me e entre dentes disse: – estátuas não falam! Mas caminhei junto a ela até o confessionário.

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música: Mozart
imagem: Google

25 comentários:

Unknown disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 17:37

Estátuas explodem em significados e tremem ante o silêncio, o farfalhar e o confessionário. óTimo. Beijo.

Lou Vilela disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 18:17

Oi, Mai!

Passando para atualizar a leitura.

Textos ricos, repletos de signos que nos remetem à dialética. É sempre um prazer ins.pirar teus ares.

Beijos

lágrima disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 18:27

... mas dentro de nós há vozes que podem cortar como fios de navalha.
Excelente como só você sabe fazer!
Beijo, Mai.

Luna disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 18:41

As estátuas podem até nem falar, mas sentem e tem a sensibilidade da pele na fria pedra.
beijinhos

Elcio Tuiribepi disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 18:42

Maiiiiiiiiii...a figura do narrador vinda lá dos confins do intangível, muito além do que eu possa acreditar e imaginar, fez-me arrepiar aqui...sério...fui lendo e absorvendo sua idéia,se é que mao estou enganado...rsrs...depois fechou com chave de ouro...sabe, não acredito em Santo...seria este o primeiro, mais real e atento as coisas mundanas...rsrs
Show de bola...meu irmão Edu,o mais velho tem uns contos que mexem assim com as coisas do sagrado e do profano...os finais arrebentam...assim como o seu...rsrs
Depois me diz lá no verseiro se viajei ou não na maionese profana...rsrs
Um abraço na alma...bjo

Caio Fern disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 19:57

uma estatica movimentaçao ?
espirito gritante no ambiente silencio .
otimo trabalho de espaço eu devo reconhecer .
OI Mai !!!
no começo eu ,lendo , tive certeza de que voce falava de um estudio de pintura . hahahah!!
e no final , preferi acreditar que era isso mesmo .
beijos !!

Tatiane Trajano disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 19:58

O sagrado profano!

E os Deuses testemunharam o amor profano que os dois deixaram marcado na fria pedra.

Um beijo imenso!

bete disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 20:40

e o quente esquentou o frio mármore? no inusitado lugar ..mas podia ser ali? ah! sempre pode!

Dauri Batisti disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 21:12

O olhar de quem fica sobre o que vai, o olhar de quem perdura sobre o que transita, o olhar de quem é sobre quem fez, amor.

Beijo

Paula Barros disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 22:45

Muito interessante esse texto, me surpreendeu.

Consegui caminhar também, ver, sentir, imaginar....você consegue esse fascínio.

beijo

Ianê Mello disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 22:47

Por debaixo do véu e da religiosidade, uma mulher comum, com desejos e amores escondidos.

Muito belo!

Grande Beijo e obrigada por estar junto a mim na comemoração do prêmio recebido.

Seu reconhecimento pelo meu trabalho me gratifica e emociona, amiga, pois muito lhe admiro.

Anônimo disse... @ 30 de janeiro de 2010 às 23:02

Confissões de pecado capital, hehe...

Seus contos são muuuiiito bons, Maizita!

Beijos!

olharesdoavesso disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 00:41

Sombras e luzes partidas em nós, templos confessos e arbitrários. BElo MAi, mui belo. Besos bela "chica".

Juliana Lira disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 01:14

Bárbaro!

Fiquei impressionada, adoro essa maneira tão maravilhosa que voê tem de nos prender a leitura!
Estátuas não falam, mas se falassem ...rsrsrsrs

Milhões de beijos

Anônimo disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 02:36

el cierre, me pareció increíble, genial!!!
besos

Desmanche de Celebridades disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 10:44

As estatuas são testemunhas mudas e caladas de muitas coisas que acontecem sem que os falantes saibam.

Anônimo disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 13:28

Mai,

Neste enredo, um arrepio.
Teus contos estão cada vez mais deliciáveis...
Um final magistral, com direito à escultura a que "sopro" se fez vida.

Que imagens não cessem de habitar assim esse poder de visionar o humano em espaços descritos com tanta criação, como sempre fazes.

Beijos.
.
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Katyuscia.

Anônimo disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 13:31

Só para registrar uma nota:
Adorei a partitura lá embaixo!
Senti-me desenho num vitral catedrático.

;)

Para ti, retiro o véu, menina!

Mateus Araujo disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 15:24

geeeeeente HSAUASHASHUAS

Estátuas não falam mas vc fala ASHUHHASUASHHASAS

Uma das coisas q eu mais gosto, é que a cada texto é uma diversidade diferente.
Maizinha ♥
bjãoo

Mateus Araujo disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 16:43

eu puix a suite pra cello também no blog \o/
hoho

Jacinta Dantas disse... @ 31 de janeiro de 2010 às 17:55

Ah, Mai,
amei.
Amo esse belo jeito de falar de um jeito diferente de amar. E esse amor diz, pra mim do amor alucinação, do fazer amor para além do corpo... Das instâncias sagradas interpondo-se na alma feminina, sacramentando o mistério duelo entre sagrado e sexualidade.
Ah! Mai. Eu adoro adentrar por entre suas linhas e fazer delas a minha leitura. Sim, pois como o grande poeta diz: "sentir? sinta quem lê.
Beijos

MissUniversoPróprio disse... @ 1 de fevereiro de 2010 às 00:11

Como sempre, perfeito. Tuas linhas são imensamente envolventes.

Um beijo, querida!

Fábio disse... @ 1 de fevereiro de 2010 às 15:47

Cada conto seu parece melhor que anterior. Estou até com vergonha das coisas toscas que escrevo.

Abraços.

nydia bonetti disse... @ 1 de fevereiro de 2010 às 16:22

Estátuas sempre me impressionaram, Mai. Marcaram minha infância. Ainda sonho com meu avô esculpindo no barro. Meu pai esculpia direto no mármore. Mas durante estes processos todos, diante dos nossos olhos assutados, imitavam Michelangelo e diziam: parla! E a criançada saia correndo de medo...

Alguns bustos que fizeram, eram mesmo assutadores. :) E a máscara mortuária de Bethovem, que guardavam como relíquia! Era nosso maior pavor. :) Mas também havia anjos, madonas, os músicos, coisas mais leves e belas.

Como foi bom te ler e relembrar as estátuas e os anjos (de carne) que povoaram minha infâcia... Beijooo

:.tossan® disse... @ 23 de maio de 2010 às 11:34

Vitrais me dão calma e me sinto mais sóbrio. Lindo texto Mai! Beijo

PS: Não estás escrevendo por hora?

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