Inspirar-Poesia, um segundo sopro

eufêmicos

Por Sueli Maia (Mai) em 1/26/2010
.

Como velhos parceiros nos reconhecemos e nos comunicávamos pelo olhar. Márcio era impulsivo e no fazer das horas era um general de feitio cuja única disciplina era o trabalho que era elo, mundo e sina. Um anarquista com vícios que não combinavam com a persona sisuda que interpretava gestualmente. Gago e talvez por vergonha era econômico ao falar. No ir e vir dos dias disfarçava bem os seus desvarios. E ainda era maniento e obcecado por ser autoridade. Quando o vi pela primeira vez ele estava em apuros e desde então seguimos juntos com pouca fala, muita culpa e olhares de cumplicidade. Tão efêmero quanto vital, o gozo rebaixa a tensão num instante. Dolores e eu o esperávamos costumeiros para a reunião em casa de Alice e Pedro. Não há recomendação capaz de frenar um impulso. Estranhamente a sua gagueira desaparecia após a segunda dose e quando desandava a contar estórias e andanças quixotescas e reais, seu tom de voz sobressaia. Naquela noite algo parecia mais tenso e porque chovia estávamos todos muito próximos a ouvir e gargalhar sobre almofadas. Senha proibida - Alice o desafiou. A excitação potencializa a força do homem. De modo estranho, Márcio pulou do chão ao teto e agarrado ao lustre ficou com as pernas em pêndulo e até parar, todos gritavam: - vai morrer! Márcio vociferou: - Domingos suba aqui! - Olhei prá ele, ergui os ombros e as mãos. Descontrolados, Pedro e as mulheres se entreolharam e ele se apressou no comando: - venha Domingos, agora! E Dolores perguntou chorando: - quem é Domingos, Márcio? Só estamos nós quatro aqui!

Música: Asa Branca - Vitor Araújo.

23 comentários:

Unknown disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 12:46

Suas histórias estão cada vez mais afiadas, devagarinho, devagarinho nos remetem ao âmago da existência. Beijo.

Caio Fern disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 13:41

fantastico !
porque acabou ?
seu jeito de fazer uma cronica correr e bem familiar para os impulsos !!

Priscila Lopes disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 13:59

Muito bom. Muuuito bom mesmo.

Priscila Rôde disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 14:05

Perfeito!

Beto Canales disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 14:06

legal

nydia bonetti disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 14:12

Eufêmicos... Totalmente. E ele nem subiu pelas paredes. :)

Adorei, M<ai. Beijo.

Dauri Batisti disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 14:52

Crônica ou conto. Ta mais para conto. Pequenos contos são sempre uma delícia.

Diferentemente dos que comentaram antes tive dificuldade para entender. Fui lendo e relendo com a chave que você deu: eufemismo. Li o que esta em itálico e percebi a explicitação do desejo. Mas, senha proibida - Alice o desafiou...? ou o provocou(sexualmente) E o chamado para o Domingos...? Pular para se balançar no lustre?

Vejamos o sujeito, ele é:
- impulsivo,
- disciplinado
- viciado em trabalho
- sisudo, estranho
- "gozava" com a própria autoridade
- gostava de "reuniões"
- gago
- gostava de bebida alcoolica
- calado mas falante sob o influxo da bebida
- louco? reprimido sexualmente?

Mas, para além da história, que não entendi, a forma que vc escreveu é maravilhosa, um texto escrito no cuidado.

Beijo.

Anônimo disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 15:08

Uma contista, quando cose figuras assim no retalho do texto, deixa os leitores suspensos, sustenidos em suas [i]lustres linhas, sim! Até que a luz dê um clic! Ou se estale no chão.
Mai, para mim, o final é uma hipérbole, menina!!!

:)

Beijos.

Fábio disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 15:44

Muito bom, mesmo, mas também não sei se entendi bem O narrador era o tal Domingos uma espécie de amigo iamginário?
De qualquer a sua escrita está sensacional.

Abraços

dade amorim disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 16:26

Que clima! O eufemismo fica no tecido da história e dá pra entender por várias entradas. Muito bom, Mai.

Márcio Ahimsa disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 17:55

...é Mai, eufemismo puro, isso para não dizer que Márcio não era louco, apenas estava embriagado, ou que o mesmo estava interpretando sua realidade e potencializando suas agruras. Acho que o Márcio é eufêmico com todo poeta.

Beijo,querida.

Elcio Tuiribepi disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 19:00

Putz, fiquei bebado só de ler...
Mas assim como aquela sua ourta postagem, o final deixa um mistério no ar...
Eufemismo...´fiquei na dúvida...mas o narrador és tu ou estou enganado...caramba, será que Domingos é o seu alter ego?
Ahh...só sei que ficou porreta...
Já comeu bolo né..rsrs
Um abraço na alma...bjo

Unknown disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 23:07

Perdi o fôlego!

Incrível, Mai! Você pega o leitor e faz ele participar do conto.

Eu já me via pendurada no lustre...

Maravilhoso!

Beijos

Mirse

Fernanda Magalhães disse... @ 26 de janeiro de 2010 às 23:26

Minha doce Mai obrigada pelo carinho e preocupação, estou bem e em Lima longe dos perigos.

Beijos de luz!

Anônimo disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 02:15

muy bonito e ingenioso relato. me encantó.
besos

Ricardo Valente disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 14:56

Bem caracterizado... ô loko!
Abraço

Mafê Probst disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 15:23

Alice e Pedro me lembrou aquela vídeo-história. Talvez tu tenhas tirado os personagens de lá. E incendiaste minha curiosidade com esse conto: quem é Domingos?

MissUniversoPróprio disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 16:05

Delicioso de se ler!


Será Domingos alguém que já se foi?


Querida, obrigada por me visitar e acarinhar com tuas palavras.

Beijos!

O Neto do Herculano disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 16:54

"... o invisivel
nos salta
aos
olhos".

Macaires disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 17:21

Mai, sua escrita é peculiar e diferente de tudo que já li!!!
Texto de ótimo feitio!
Um beijo, amiga!!!!!!!

Dani Pedroza disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 20:40

Por que o efêmero normalmente é considerado pouco? Efêmero pode também ser suficiente, pode ser muito, pode ser tudo.

Por que o carnal geralmente é considerado reles? Os prazeres físicos, em última análise, são mais uma forma de satisfação, como tantas outras que entendemos mais "dignas".

Por que Dolores só admite a existência daquilo que seus próprios olhos enxergam? O meu mundo é o que eu conheço, mas há tantos mundos coexistindo por aí.

O que, afinal de contas, é real? E a sanidade, quem define seu conceito? Quem se aventura a fazer julgamentos de valor num mundo tão estranho? E olha que "estranho" foi um eufemismo... rs.

Bjs, querida.

Daiana Costa disse... @ 27 de janeiro de 2010 às 23:29

Confesso que fiquei com um pouco de medo. :D
Ótimo fragmento.

Beijos.

Anônimo disse... @ 28 de janeiro de 2010 às 00:19

Interessante mesmo! Seu texto prende nossa atenção de forma fascinante!
Vc deveria escrever um romance ou um livro de contos, eu seria a primeira a comprar =).

Beijos.

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