Inspirar-Poesia, um segundo sopro

delírio...

Por Sueli Maia (Mai) em 2/14/2009
Há dias ele ri de si para si. Forte e alto, sua pele desidrata por ausência de sol e vida. A voz é grave numa fala em frases longas com palavras desconexas e inventadas. O riso em um sorriso ausente é inevitável e triste na falta de graça que é a exclusão social. Vitor delira enquanto o corpo movimenta-se compulsivo numa rede. Seus pés alavancam na parede suja, um vôo em ida e volta. O peso de uma vida balançando, provoca um som que ensandece quem escuta. O instrumento percussivo é a corrente que suporta a rede e o corpo. A melodia é o atrito de elo e gancho num ruído recorrente. E gesticula a fala enquanto fuma um cigarro interminável. A fumaça impregna de fuligem e cheiro, o corpo, roupas e toda atmosfera. O ar exala nicotina, suor e elisão. O gestual é enérgico e largo. Olha e não fala pra mim mas pro mundo e no seu mundo, informações cotidianas e banais. O seu delírio é claro em ‘ser’ delírio. A comunicação é complexa pela desordem do pensamento e da linguagem. Vitor me olha e diz: - Essa política é errada e burra. O presidente do Haiti governa o Iraque, o Brasil é o Haiti e aqui se fala inglês, francês e mandarim em português. Ele é um Juiz federal que ri de tudo e me faz rir, também. Há um poder e uma lógica louca que subjaz na razão da loucura. Enquanto assiste um programa invisível na TV que está em off, ouve o som de Bob Marley. Continua seu discurso ‘umbilical’ dizendo que mantém tudo e todos o exploram. Em segundos o delírio de grandeza estanca. Percebo a mudança facial que a tez retrata. É instantânea a inundação de adrenalina e medo. Vitor fixa seu olhar apavorado em mim. Eu miro um ponto entre os seus olhos pra que o meu olhar não o agrida. Não há mais delirio. Agora é um grito alucinado de pavor. Vitor projeta em mim o agressor interno que são seus medos e fantasmas. A sua culpa corrosiva com dedo em riste lhe cobra e acusa. Um homem em pânico em tormento brutal . Não há ninguém além de Vitor e eu. Não há agressão externa a ele. Vitor levanta me olha e urra: - CHEGA! Sai daqui! Vou te matar! Vai embora. Eu falo calmamente e peço calma. Súbito ele desvia o olhar e grita à tudo que só ele vê na parede: - vai embora daqui! Vitor chuta, esmurra, bate com força a cabeça e fere-se em luta contra seu próprio corpo rígido em medo. E é um absurdo o que se vê. Um homem sofrendo com pavor brutal e agora, exausto, derrete-se em suor e sangue. As mãos sangram a dor que escorreu de sua testa. Minha garganta já travada também sangra, agora.
.
Imagem Google

23 comentários:

Luciene de Morais disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 12:22

Quem tem todas as respostas?
Quem percebe?
Quem ensandece?
Quem mira?
Quem culpa?
Quem grita?
Quem se apavora?
Quem tem razão?
Quem tem loucura?
Quem tem medo?
Quem delira?
Quem é absurdo?
Quem é risível?
Quem não?

Monday disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 12:44

cena fantástica ... desenhou todo o quadro, moça, bem aqui na frente ... texto pra ficar na prateleira de sala de troféus ...

quanto ao delírio, a história parece a própria definição da palavra ...

um dos melhores textos seus que já li ...

bjks

Luna disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 12:51

Tantos sentimentos diferentes dois seres
podem sentir no mesmo momento, difícil
é sabermos dosear em palavras
beijinhos

Dauri Batisti disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 13:09

Cena de sentimentos muito bem descrita. Realidade e delírio. Delírio de um realidade de outro.
Parabéns.

Um beijo.

Marcelo Novaes disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 16:11

Meu Deus!


Esse consultório ficou todo avariado por tal massacre a dezoito vozes e um pugilista solitário...!!!





Beijos, Mai.






Marcelo.

Anônimo disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 16:40

E eu, indo com ele, da razão ao delírio dentro das suas palavras.
Lembrei-me de um amigo, coreano... Foi quase isso.

beijinhos

Elcio Tuiribepi disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 18:13

Mai...tentei enviar 3 vezes...rss...caso tenha ido...apaga aí..rsss..valeuuu

È Mai...voei aqui nas imagens desse real delírio, vi mesmo a cena, embora parecesse em mim curta, como um curta-metragem...
Parecia que eram meus olhos a ver, me senti no seu lugar...caramba...
Um abraço na alma...
Você e o Dauri trazem muito do cotidiano de voc~es, essa a minha impressão, sem querer fazer julgamentos, apenas alma...show de bola...

TERE disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 20:43

Mai...no Docetere há escrito para ti.

Votos de Bom Domingo!!!

Beijos

Carla Martins disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 20:46

Este texto, uma boa intrudução de um livro, esse livro será que podemos ler um dia?
Gostava...
Beijinhos amiga Mai...sempre fico encantada com os seus textos

Letícia disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 22:13

Mai,

Seus textos são como o mar. Dias agitados e dias calmos. Andei lendo uns outros e você escreveu calma e terna sobre amor. E agora é a onda forte que fala em delírio. Eu acho que é assim. A gente constrói verdades quando escreve.

Bjos.

E sinto saudade. =)

Abraão Vitoriano disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 23:14

Nossa! o ritmo do seu texto é ousado e encantador... você me prende entre palavras e sensações, e não consigo me libertar com facilidade... é uma espécie de "feitiço do bem", não sei explicar, só sei que é tão bom...!
beijos!

FRAN "O Samurai" disse... @ 14 de fevereiro de 2009 às 23:21

Oi Mai!

As vezes o que está dentro de nós é maior... e mais perigoso! Quem não descarrega e vive acumulando dentro de si, um dia explode por dentro e delíra aos olhos dos outros por fora.

Uma postagem bem intensa. Adorei e me fez imaginar tal cena, muito intensa.

Beijos.

Jana disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 00:03

Ai posso confessar? Não li, na verdade li frases srteadas apenas... me falta cabeça pra pensar, vim agradecer as opções...

beijos

Café da Madrugada® Lipp & Van. disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 00:26

Quanta loucura, quanto delírio!
Descreveu mais que perfeitamente!

Beijos.

Van.

Paula Barros disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 01:25

Sempre textos fortes e que me inquietam o pensar.

Quanto de nós está no outro, quanto do outro nos provoca, e nos remexe toda.

"O peso de uma vida balançando, provoca um som que ensandece quem escuta"

Essa frase me saltou as olhos e ficou comigo.

abraços

Maria Dias disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 09:31

Vitor é um louco e por isso todo emoção! Muito bem escrito Mai!Parabéns!


Beijos

Maria

Gilbamar disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 12:45

Um desencontro de sentimentos, um golple n'alma, um oceano de frenesi.

Belo, mui belo!

Fraterno abraço de Gilbamar.

Cris Animal disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 12:56

Oi Mai, obrigada pela visita no meu blog e ... aqui estou eu!
Acho que comecei por um lado forte. Humnano, cheio das dores e mazelas de cada um. Texto que sangra. Não o sangue vermnelho de nossas veias, mas aquele que ao longo da vida vamos juntando em veias, não menos ocultas e que algumas( ou todas) pessoas, vez ou outra os deixam derramar.
Vidas e marcas. bagagem que ficam pesadas demais para dar o seguinte passo. Eis a hora da explosão. Alguém que nos ouça: está pesado demais e eu não suporto mais!
Aadorei o texto. Não pelo sofrimento humano, óbvio, mas pela coragem de expor o sentimentos em palavras ainda que fosse tudo uma ficção, mas a vida não é ficção.
Voltarei aqui. Pode apostar.
Beijo
.............Cris Animal

bete disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 13:37

nossa
contundente!
bjs

Vanessa Anacleto disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 17:10

Mai, seus textos me tiram as palavras , meus comentários ficam vazios. Tudo que posso dizer é que é muito visual.

abraço

Cadinho RoCo disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 17:28

Na dor o sangue sangra.
Cadinho RoCo

Márcio Ahimsa disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 18:49

Ah, Mai, por vezes fico sem palavras, por vezes não sei o que dizer, estou sem palavras, apenas um verbo corrosivo diluindo minha boca, minha vontade. Adoro, adoro que tantas vezes escreves aqui, nesse tom, nesse semi tom, meio tom de verdade, de beleza, de coisas do humano, coisas que saltam aos olhos, fica estancado na memória. Agora, sobra, sobra mais que a essência, sobra tu, com tua tez, tua película e teu extrato, teu sedimento, se apertando em ti, em sensibilidade, em carinho pelo outro, pelo olhar do outro, o outro um, o outro dois, que tanto fala aqui, que tanto me deixo cair, queixo, boca aberta, olhos miúdos de uma leve miopia, um leve astigmatismo, de te ler, de te sentir por essas palavras.

Beijos, querida, carinho muito, sempre.

Renato Ziggy disse... @ 15 de fevereiro de 2009 às 19:13

Tem selos pra ti no Pesar. Beijos!

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