Inspirar-Poesia, um segundo sopro

Papua e monges

Por Sueli Maia (Mai) em 2/04/2009
...............................................A pele é áspera. Adocicado e cítrico é o cheiro da velhice de um novo ou velho livro. Agora e outra vez era a mesma coisa – a palavra e o silêncio. Os anos vão passando consumidos pelo tempo e eu nem tão velha assim, vou ficando cada dia mais endividada de afetos, cega e tateante de amizades pois gosto de gente e igualmente de livros. Desde sempre adoto livros abandonados em sebos e os recebo como novos e modernos, cheirosos e inteirinhos para mim. Achei Tolstoi num desses sebos em São Paulo e bebi com ele um café, sorrindo pelo achado (que Deus o tenha e ao seu antigo dono zeloso, também). Ser unânime é ter orelhas grandes e o homem talvez seja o único Ser dependente das oposições. Silêncios são repletos de eloquência e a onomatopéia do silêncio (Shhhh) parece ser universal. Inteiro de palavra é o silêncio e nele haverá ou não um livro a ser escrito. O silêncio é um mantra e os sábios o sabiam desde sempre. Em Papua orelhas são mutiladas em ritual e os monges afastam-se do burburinho do mundo para a escuta de si mesmos. Segundo João no princípio estava o verbo e se é assim, o verbo é Deus? Shhhh deixa prá lá... Eu vou pensar que os mundos são constituídos pela palavra e um livro é um ente bafejado pelo hálito divino. O livro é o mais falante dos silentes que já li. Houve um tempo em que, no espelho, eu pensava que era filha de Monteiro Lobato, irmã do tal visconde e quase tive uma crise existencial ficando entre ser um sabugo de milho ou uma pessoa. Estava em um sebo pensando nos sons e cheiros dos livros. E livro tem pele e memória. Sou olfativa que só vendo e junto ao nariz, minha memória auditiva compensa uma cegueira de três graus. Heidegger e Balzac pensaram em amizade como supremacia das paixões e eu tenho uma amizade superlativa por livros. E viajei (prá variar...) pensando no genocídio dos livros-pele pelos e-books (fazendo um mea culpa e condenada em tribunal por estar 'blogueira'). Mas pela alegria que sinto quando vou à uma livraria pensei - é impossível. (fico igual pinto no lixo e me demoro horas ali...). Não há como abrir mão do cheiro dos livros. O livro é um ente com história e voz e o cheiro do ácaro (me deixa com tesão que só) não me irrita ou dá espirros... Nos livros conheci o mundo e percebi a arrogância do homem em se pensar perfeito criando um deus antropomórfico. Desconstrui tudo que me enfiaram goela abaixo e tudo que estava escrito sobre Deus e fui buscá-lo e entendê-lo em meu silêncio. Assim, como não sou arrogante, descobri que há um livro em meu silêncio. Meu próprio livro. Um narrador de mim. E livros são amigos. Quando invento de escrever, meus amigos me lêem e morro baleada e é uma festa. Sou Sofia sou Arminda sou Maria das dores ou não, mas sou qualquer-quem que eu queira ser...Tudo em meu silêncio me surpreende. Estrela do tempo, meu livro e meu silêncio imperam em verdade, sofisticadamente escamoteada, de modo que a ninguém eu possa incomodar.
...
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21 comentários:

Elcio Tuiribepi disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 07:52

OI Mai...a palavra silêncio está meio em alta...rss
Puxa...gostei muito do texto, bateu com uma coisa que fiz ontem...
Sequestrei Fernando na biblioteca...é, esse mesmo...o Pessoa, e que Pessoa...e voltei de carona com ele...em silêncio lido, compartilhado...um abraço na alma...show o texto hein...

Anônimo disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 08:32

Eu tenho uma biblioteca imensa que se espalha nas cabeceiras do meu quarto, na dos meninos, na sala. Verdadeira bagunça, onde não sei quem está a fazer a bagunça: nós, ou os livros. E eu acho uma delícia quando um dos meninos vem com um livro lido: mãe, este é da hora! você tem que ler e depois a gente conversa sobre ele.
E o silêncio... só dentro de mim, mesmo... :)

Bjs

Anônimo disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 09:49

Primeiro vou comentar sobre teu comentário: Estou realmente muito feliz em voltar pra faculdade e conviver, ainda mais, com os meus amigos.

Anônimo disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 10:23

Querida, os livros são pra mim meus melhores amigos. Eternos companheiros até quando estão fechados em cima da mesa. Lindo seu texto!
O silêncio dentro da gente é aquele onde ecoa nossos mais secretos segredos.
O silêncio se faz necessário em vários momentos da nossa vida.

Beijo com saudade, tá?

Anônimo disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 11:06

Oie!
Saudades de ler suas belas palavras!
Tem selinhos pra vc no meu blog :D
Bjos,
Ly

Ester disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 12:19

Ah querida Mai,

Que linda homenagem ao livro! Tua escrita está cada vez mais sofiscada e surpreendentemente bela. Ler-te tem sido um exercício de amor e fonte de conhecimento,

beijos sempre encantados,


*Disseste bem, meu apelido é Mares,
e pelos mares eu vou..

Luciene de Morais disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 12:28

Mai
Como você, também aprecio livros e silêncios...
Mas quando quero sons e recebo silêncios, sapateio que só! hehe
Essa sou eu!

Quintal de Om disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 12:31

Nos livros podemos ser quem quisermos, sonhar oque desejarmos, viajar por caminhos distantes sem nem dar um passo do chão.... é assim, tão simples como fechar os olhos e, sonhar.

Sonhando, não importa a nossa realidade. Ela já existe.

Beijos Meus, minha querida!

Leo Mandoki, Jr. disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 12:33

existe uma palavra linda em português para «sebo»
....
é ALFARRABISTA

e experimentar dizer (mentalmente):
«Vou ao alfarrabista» em vez de dizer:
«Vou no sebo» (1º pq quem vai, vai A algum lugar e não EM algum lugar. E 2º que sebo desmerece a solidão dos livros usados)

Sou um viciado frequentador de alfarrabistas!

Paulo Roberto! disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 13:56

Olá! Tem dois selinhos pra você no meu blog... Abraços ^^!!!

Cecília disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 14:19

Voltei para ler o post 'A acadeira...', e me emocionei.

Gosto muito de ler... Mas tenho feito bem menos que gostaria...
Com os livros viajo e me inspiro!!!

Beijão!!!!!!

Lipe M.T disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 15:00

Surto quando discuto comigo mesmo...
Faço intrigas contra mim...

Osvaldo disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 15:32

Oi, Mai;
O livro é algo que nos envolve de carícias ternas e violentas, de medos e alegrias e é o único amigo que em silêncio respeita a nossa solidão...
Um livro são duas vidas, a vida do escritor e a vida do leitor e é um "ser vivo" imortal que mesmo na fogueira da Inquisição ressucita sua letras nas cinzas que adubam as terras...
bjs

Tata disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 15:40

Nossa vida feita e lida como a um livro.... feito de silêncios sustos e risos contidos dentro dele....

bjinhos

ADOREI!

mundo azul disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 17:11

_______________________________

O seu texto é excelente!

Sim! O livro tem uma energia muito particular...Adoro livros!


Beijos de luz e o meu carinho...

__________________________________

Fernanda Fernandes Fontes disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 18:36

Olá Mai!

Que belo presente Tossan me deu com o convite a participar do blog!
Como me identifico com os textos!

...
Também amo livros e pessoas. Nada como o degustar de uma boa leitura,
do tatear as páginas, saborear linhas e conotá-las à nossa vivência ...e tentar exprimir a do autor ali.

Sobre o silêncio deste momento e de outros: lembro-me de quando Marilena Chauí silenciou quanto aos problemas vividos na administração petista, o
quanto sofreu severas críticas de intelectuais e da imprensa por tal
ato. E eu lamentei profundamente a falta de percepção destes, não foram capazas de compreender os significados do silêncio...são tantos, não?! Talvez digam mais que nossas linhas...

...

Infelizmente ainda existe grande preconceito quanto a esta fantástica blogosfera! Eu só lamento, mais uma vez, a falta de percepção daqueles que acham que este espaço virtual tomará o de uma leitura a dois: eu e meus papéis...jamais!

Abraços e aguardo sua visita.

Paulo Roberto! disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 18:45

De verdade, simplesmente inspirador!

Voei alto
ao ler
suas
palavras!

Verdades incontestáveis!

Tenha certeza,
que passarei por aqui várias vezes! ^^

Anônimo disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 19:08

Mai,
amiga, linda, querida...

Tenho nos livros os meus melhores amigos, parceiros e amantes.

E olha, não tô parando não. Mas, provavelmente, o ritmo vai diminuir no blog por conta desses compromissos com a dissertação mesmo. Assim que os meus escritos sairem do pensamento, estarão aí para enfeitar tuas leituras.
;)

Meu beijo, meu carinho e as flores de sempre pra vc.

Letícia disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 21:42

Mai,

Agora leio você em dois lugares. E fico feliz porque você tem algo a dizer. Muitos algos. E está encontrando a sua fala. Essa que é silente como um livro e fala alto pra dentro. Esse texto é próprio de quem lê e sabe que escrever, seja em blogs ou em livros e sei lá mais onde, é colocar em ordem a biblioteca interna que sempre carregamos. E quando escrevemos vamos a este lugar, procurar termos, procurar a nossa visão e transformar tudo em ficção ou realidade. Escreve livre, Mai. Toma como lição a sua vida e cria sem olhar pros lados.

Com carinho,

Letícia.

E li o texto A Cadeira...

"A ingenuidade é uma criança privada de gente por toda vida."

(Mai)

Está aí uma coisa que lembrarei sempre.

Paulo disse... @ 4 de fevereiro de 2009 às 23:02

Olá Mai,
Os livros, são paixão, aventuras, memórias...
Que tocam cada um de uma forma diferente,
Todas as emoções, uma simbiose...
Companheiros inseparáveis do silêncio!

Flores para você.

Adenildo Lima disse... @ 5 de fevereiro de 2009 às 10:24

Olá, bom dia...

Se alguém quer que eu fique solitário e triste, tirem o livro de mim...rs....

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